O garçom me trouxe o i-pod e pediu que o colocasse. Com voz macia e olhar gentil, sugeriu o volume 1. Não fosse eu impor a audição aos demais sentidos.
Suave e delicado, o som começou a entrar pelos ouvidos. Vento, farfalhar de folhas, ruídos de pequenos insetos.
Quase imergia quando notei que o rapaz posicionava, à minha frente, todo um arsenal. Quatro pequenos balões, dois vermelhos e dois amarelos, se alternavam em torno do espaço em que ficaria o prato. À direita e à esquerda, instrumentos desenvolvidos no próprio restaurante e que substituiriam, com vantagem, os talheres que alguns restaurantes, hóspedes do passado, ainda insistem em usar.
Havia um pequeno perfurador com um círculo na outra ponta, onde se via o logotipo elegante e criativo do restaurante. Havia um artefato curvo e macio, colorido, parecido a uma esponja bem seca. Havia dois pegadores (um marrom, outro violeta), como os de salada, recobertos com uma película fina e sedosa.
Meus ouvidos filtravam o som bucólico do i-pod. Meus olhos assistiam ao espetáculo de cores e formas.
Chegou o prato, branco-polar com desenho de formas irregulares negras e marrons. Sobre ele, um tutano esferificado sobre espuma de ossobuco. Quatro cubos os ladeavam, de um violeta forte.
O garçom me orientou a manejar o pegador marrom com a mão direita. Devia aprisionar as pequenas esferas, uma a uma (a suavidade da película não permitiria que elas se rompessem), e levá-las à boca. Simultaneamente, o polegar e o dedo mínimo da mão esquerda controlavam o perfurador e estouravam um dos balõezinhos amarelos.
O ar exalado pelo balão trouxe às minhas narinas o inconfundível aroma de risoto, enquanto a esfera de tutano explodia seu sabor na boca. Sincronização perfeita, que contava ainda com os mugidos, ao longe, que saíam pelos fones do i-pod.
Em seguida (e sempre seguindo as rigorosas instruções do garçom), mergulhei o artefato curvo e macio, esponjoso, na espuma de ossobuco e o levei à boca com a mesma mão direita. A esquerda perfurou o balão vermelho e o cheiro de tomates frescos da Toscana me invadiu no exato instante em que espremi a esponja e deixei a espuma escorrer pela boca.
O segundo pegador serviu-me para envolver um dos cubos violetas. Larguei-o delicadamente sobre a língua e, em segundos, me dei conta que nenhum rótulo de Gaja podia superar a sensação que aquele barolo gelificado proporcionava, sobretudo quando associado aos mugidos cada vez mais próximos e ao ruído de bovinos pastando que o i-pod oferecia.
Alternei os elementos e os balões até encerrar o prato. Olhei em volta, tecnoemocionado, e não vi o garçom. No i-pod, o som parara.
Onde ele estaria? Teria ido buscar a sobremesa? Me traria mais surpresas? A sensação de abandono fazia parte da refeição? Ativaria algum sentimento ainda estático? Aprofundaria o êxtase? O que estava acontecendo?
[Aguarde, leitor, o próximo capítulo. O que virá? Ar refrigerado de grana padano? Semifreddo di caponata? Em breve, neste mesmo blog]
04/07/2009 às 11:59
Você andou visitando Heston Blumenthal?
04/07/2009 às 13:33
ai que curiosidade, onde foi isso meu Deus!
04/07/2009 às 14:00
Constance & Fernanda,
aguardem os próximos capítulos.
Mas alerto que não saí de São Paulo.
Abraços!
04/07/2009 às 15:47
Ta com cara de FatDuck mesmo , mas pelo qu eu sei Heston nao abriu nada por aqui em sampa. Será que foi um sonho depois de algumas garrafas de vinho? Curioso !!! Abs
04/07/2009 às 16:44
Fiquei muito tecnocurioso, mas meu tecnoapetite não se manifestou de forma positiva.
Será que o Capitulo II virá antes ou depois do post sobre Vecchio? Ou será o Giuseppe La Rosa enlouqueceu e está servindo risoto no balãozinho?
Estou confuso… mas talvez seja o efeito do álcool do almoço!
Abraços!
04/07/2009 às 16:58
Benny & Gourmet,
é mesmo incrível como São Paulo guarda surpresas.
O capítulo II deve sair na segunda. Ou terça. Talvez quarta. Quinta sem falta.
Abraços!
06/07/2009 às 17:19
[…] *Confiram o suspense tecnoemocional criado pelo Alhos neste post. […]