O Sr. Alhos precisa de uma folga. Anda trabalhando demais, coitado. Por isso hoje, em substituição, lhes fala a Sra. Passas. Muito prazer.
Talvez fuja um pouco ao estilo do blog, mais cuidadoso. Se for assim, por favor, me desculpem de antemão.
Digo isso porque não saí muito satisfeita de nossa última incursão gastronômica: o menu siciliano da chef Fabrizia Lanza para a Vinheria Percussi.
Fomos com grande expectativa, pensando rememorar momentos agradáveis de nossa recente estada na Sicília, já que o menu prometia clássicos como pasta alla Norma, cannoli, humm…
De entrada, uma salada (pequeniníssima!) de folhas verdes e gamberetti marinados. Boa. Sobretudo porque o camarão não tinha traço de cozimento no calor, mas apenas na acidez do limão. As folhas eram tenras, ainda brotos, bastante saborosas.
Em seguida, veio a pasta alla Norma e foi decepcionante. Não que estivesse ruim: o molho era agradável, com acidez na medida, mas com a berinjela cozida irregularmente, apresentando alguns pedaços quase crus, e pouquíssima ricota seca. Mas o que espantou mesmo foi o fato de servirem espaguete de grano duro! Realmente é estranho uma casa como a Vinheria Percussi, que possui no cardápio várias pastas artesanais, importar uma chef da Itália e servir massa seca!
O atum, no ponto ideal, tinha sabor muito bom, talvez com uso um pouco exagerado de menta e salsinha, mas a caponata dava um toque especial, com salsão e alcaparras que a faziam fugir do óbvio. As batatas eram dispensáveis e tinham sabor estranho, que lembrava cloro. Seria a água? Ou o cozimento muito adiantado? Do açafrão mencionado no cardápio não sentimos gosto algum.
O melhor de tudo foi a sobremesa: cannoli com gelatina de café. Massa crocante, creme leve, gostinho bom de café. E, de acompanhamento, o sempre maravilhoso Passito, vinho de sobremesa, capaz de deliciar: fechou muito bem a refeição e nos fez esquecer, por alguns instantes, do jantar muito abaixo das expectativas — altas inclusive pelo preço cobrado: R$ 240 reais, com harmonização (R$ 120 sem os vinhos).
Faltou generosidade ao serviço, que nenhuma vez sequer ofereceu mais do que um terço da taça única por prato, nem reposição. O ritmo acelerado dos pratos que chegavam à mesa também não ajudou a aproveitar o jantar.
Faltou originalidade à proposta da chef, presa demais ao básico e clássico da cozinha siciliana. Mas, se era para ser clássico, onde foram parar os arancini? Fizeram muita falta, esses também…
Que pena. É terrível ter expectativa.
Queríamos um jantar siciliano davvero.
Só nos serviram o jeitinho brasileiro.
ps—alhos:
Os vinhos Tasca d’Almerita cumpriram bem o papel. O Regaleali Bianco IGT 2007 se sobrepôs aos camarõezinhos, mas era fresco e agradável, com boa acidez.
O garçom insistiu que tomássemos o Cygnus IGT 2005 com a massa e ele de fato dialogou bem.
Para o segundo prato, a Sra. Passas pediu o Chardonnay 2003 e eu, o Rosso del Conte DOC 2002. Quando começamos a tomar, invertemos as taças e os gostos. Mas ambos funcionaram.
O que redimiu, por instantes, a noite foi o Diamante d’Almerito Passito IGT 2004.
A nota dissonante nos vinhos ficou por conta do serviço.
A forma de perguntar que vinho preferíamos a cada prato (havia duas opções para o primeiro e duas para o segundo) era vaga: “tinto ou branco?” — sem qualquer esclarecimento acerca de que tinto e de que branco se tratava. Inconcebível numa vinheria e ainda mais num jantar com harmonização.
Na única reposição que pedimos (do Passito, após algum tempo tentando atrair a atenção do garçom), recebemos o equivalente a mais um gole, e olhe lá.
Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jardim Paulista, SP
tel. 11 3088 4920
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Vinheria Percussi
22/03/2010 às 22:37
Sr. e Sra. Alhos,
Tudo tem seu lado bom. Dessa vez não perderam a mala na Alitalia.
😉
22/03/2010 às 23:15
Experiência lamentável — mas gostei muito do texto.
Aliás, longe de mim fazer uma sugestão que possa interferir na harmonia do casal, mas a sra. Passas merece um blog só pra ela. 😛
Abraços!
23/03/2010 às 00:03
Carlos,
pois é, e na semana em que (finalmente) recebemos a indenização da Alitalia.
Menos mal.
Abraços!
Bronza,
obrigado!
Também acho!
Vou passar a recomendação a ela, que provavelmente vai topar de imediato. rs.
Abraços!
23/03/2010 às 00:10
Sra.Passas,nunca fui muito fã da Vinheria Percussi ,sempre comi de forma regular ,nada demais,mas em relação a massa acho que há um equívoco de sua parte.O que vai definir o uso da massa ,se fresca ou industrializada ,é o tipo de molho e nem todos casam bem com a massa caseira como é o caso do molho de berinjela e ricota à siciliana ou Norma.Aliás, Marcela Hazan em seu clássico, “Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica”(primeira edição), dá uma aula primorosa sobre combinações de massa com molho (págs.238,239,240, 241,242,243,244 e 245)e textualmente indica a massa industrializada para o molho em questão.Em certa passagem ,Marcela Hazan ensina:”As massas industrializadas sustentam muito bem os molhos ,enquanto as caseiras os absorvem.Uma boa massa caseira tem um toque delicadíssimo no paladar,é leve ,”flutua” na boca.A maioria dos azeites de oliva suprime sua textura fina ,tornando-a escorregadiça,e os sabores fortes a colocam em segundo plano .Sua melhor combinação é feita com molhos delicados ,sejam eles preparados com frutos do mar ,carne ,legumes e vegetais ,geralmente à base de manteiga e quase sempre enriquecidos com creme e leite.”Em suma ,tanto a massa fresca quanta a industrializada quando bem feitas são ótimas ,mas as coisas que vc. pode fazer com uma não são, necessariamente , as mesmas que poderá fazer com a outra.Abs.
23/03/2010 às 06:37
Joaquim,
tudo bem?
Sim, nem toda massa dá certo com todo molho. Nas osterias sicilianas serve-se massa seca na pasta alla Norma e as poucas casas que preparam o prato por aqui, também. A associação aparece igualmente em parte da literatura tradicional, seguindo o princípio de que há fixidez em algumas combinações massa-molho. Lembro-me que Saul Galvão insistiu bastante no tema uns anos atrás.
No entanto, estávamos diante de uma proposta de degustação que procurava unir a “típica cozinha camponesa da Sicília” com a “sofisticada culinária dos antigos chefs da aristocracia” (sic). Em ambos os casos, a massa empregada não era seca, como não foi no momento de criação do prato em 1831.
Caso o jantar proposto buscasse reler a tradição (o que foi feito, ao menos parcialmente, com os cannoli), poderia explorar algumas opções da Norma realizadas hoje na Sicília, fora das corretas mas repetitivas trattorias e osterias: Norma preparada, por exemplo, com tagliatelle ou casarecce fresco (como já comemos em Milão, e não apenas na Sicília). Ela ganha mais leveza e a ricota e a berinjela se expressam com mais força.
Na forma como foi servido, o jantar-degustação não fez uma coisa nem outra: nem retomou a tradição, nem buscou a renovada cozinha siciliana; apenas reproduziu um prato de trattoria.
Fora isso, o problema do prato servido não estava apenas no emprego da massa seca. Estava também no preparo irregular da berinjela (que, na tradição, deve ser frita) e na quase ausência de ricota.
Abraços!
23/03/2010 às 09:18
Alhos,não há duvida que é possível comer tal molho com massa fresca,e ele deve ter surgido ,tal a sua rusticidade ,antes mesmo do advento das massas industrializads,que só ocorre por volta de 1840.No entanto, o que me levou a escrever o comentário não foi a péssima execução do molho e sim afirmação:”mas o que espantou mesmo foi servirem espaguete de grano duro…”.Ora ,as explicações complementares sobre a proposta do jantar só vieram agora e diga-se de passagem ,a exceção é comer tal molho com massa fresca,logo n~ao deveria haver nenhum espanto .Outro dia ,comi um carbonara ,também sempre comido com massa seca ,com massa fresca ,ele ficou perfeito, um prato tão rico em densidade ,ficou muito mais leve.Abs.
23/03/2010 às 13:52
Joaquim,
pois é, o hábito faz o monge e a situação faz o prato.
Abraços!
23/03/2010 às 14:00
Joaquim,
Com tão bom esclarecimento sobre massa seca/fresca, envie esta explicação á sua amiga/blogueira carioca onde, não lembro com quais palavras, ela diz que é inadmissível um restaurante de alta-gastronomia usar massa seca….
Em tempo, envie um abraço ao Naim.
23/03/2010 às 14:22
Ricardo,
tudo bem?
Não sei a quem se refere, mas deixo aqui o recado.
Pessoalmente acho um absurdo, com raríssimas exceções, alta gastronomia lidar com massas secas.
O caso que minha mulher relatou no post não foi uma dessas exceções.
Abraços!
23/03/2010 às 15:14
Alhos,
Não é absurdo, acho correto o uso em alta-gastronomia, principalmente em pratos que levam peixes e frutos do mar.
Quais são suas raríssimas exceções?
Abraço.
OBS:Obrigado pelo corretivo!!!!
23/03/2010 às 16:42
Alhos e Ricardo ,creio que no caso específico( Constance Escobar no Térèze) era um molho cremoso,com queijo e cogumelos ,certamente a massa deveria ser a fresca e não a seca .Se vc. já prestaram a atenção ,no Gero( não lembro agora se no Fasano o mesmo ocorre) ,o menu faz uma separação entre os molhos que são servidos com massa de grano duro e com os de massa fresca.Portanto ,eu não acho nenhum absurdo o uso da massa seca nas casas de alta gastronomia ,aliás há massas secas tão fantásticas ,tão bem feitas ,que não há sentido na discussão ,no fundo ,o que conta é o produto.Outro dia ,no Rio, comi no Osteria D`Angolo um parpadelle de massa seca com molho de coelho que estava fantástico.A massa ,não me recordo o nome, é importada especialmente pelo restaurante,vem numa caixinha de duas porções e custa ,o produto ,20 reais quando chega no Brasil.A massa era leve ,mas aguentava perfeitamente o tranco do molho.Abs.
24/03/2010 às 02:24
Sr, e Sra Alhos
SIMPATIA E PRAZER.
acompanho em blogs comuns ao nosso VÍCIO.
Tenho certeza de boa estadia gastronômica ,apesar do estravio, um clássico da Alitália.
(já passei pos isto)
Joaquim,
A Italia, apesar de não ser a idealizadora da Pasta ou Massa, é a responsável pelo molho!
E sem contestação!, foi o que fez de melhor.
E é levado muito a sério,cada tipo existe um molho…. e nem dá para alongar este assunto,só viajando,comendo e conhecendo as sutilezas do assunto…….
para curta ou longa frizadas (rigate),ou rescas, grano duro é o tipo de farinha (00),muito utilizada para também para Fogazzas (lanches típicos de fim de tarde).
Não importa se com ou sem ovo.Fresca ou não.
beijos
Robertita
24/03/2010 às 06:33
Ricardo,
não pensava numa combinação específica, num prato específico, mas na possibilidade de.
Abraços!
Joaquim,
ainda prefiro pedir pratos de massa fresca, mesmo se a casa tiver a confiabilidade do Gero e do Fasano.
Não conheço o Térèse, nem li o comentário da Constance, mas confio plenamente em seu paladar e em sua avaliação.
Abraços!
Robertita,
tudo bem?
Obrigado!
Acho interessante, especialmente na alta gastronomia, que não nos resumamos às fórmulas prontas. Idem para a retomada da tradição de preparar massas no campo ou nos palácios sicilianos, numa época em que a massa industrializada não existia ou não era difundida.
Abraços!
24/03/2010 às 08:42
Alhos ,estou com vc,eu prefiro a massa fresca onde a casa pode mostrar todos os seus méritos e também confio plenamente na Constance.
24/03/2010 às 18:16
Alhos ,só para contradizer a Robertita ,a grano duro na Itália é a semolina e não é a 00, esta é farinha de trigo mais macia ,conhecida como farinha de trigo comum,portanto a grano duro nada tem a ver com a 00.
24/03/2010 às 18:53
Grazie, Piero.
Uso a 00 para fazer pão, meio a meio com a 0.
Abraços!
24/03/2010 às 21:25
oi passas !
adorei te conhecer!
venha sempre .
25/03/2010 às 08:40
Putz, uma aula sobre massas, pastas e afins.
Mas, pra mim, o mais importante ainda é o sabor que o prato tem.
E aí entra o diferencial de qualquer prato: a pessoa que o está comendo.
A mesmíssima comida tem sabores completamente diferentes quando saboreada por pessoas diversas.
Quantas vezes, vamos a um lugar que conhecemos, esperando que aquela experiência seja novamente inesquecível e …. nada!!
Portanto, confiando ou não na opinião de terceiros, vamos fazer valer a nossa!
Ando tomando tintos de verano, e me desculpem os puristas, é muito bom. Quanto melhor o vinho, melhor o resultado!!
Abs a todos e deixem a Sra Passas dar a sua opinião. Eu gostei!!
25/03/2010 às 08:44
Ah! Esqueci duma coisa: dificilmente irei novamente a um destes jantares especiais, a não ser pela curiosidade.
Já fui em vários e normalmente a comida é mais ou menos (quem cozinha, sabe que não é tão fácil fazê-lo em condições diferentes da habitual) e a relação custoxbenefício se torna altíssima.
Abs
25/03/2010 às 08:58
Vania,
obrigado!
Abraços!
Edu,
tudo bem?
É verdade: a circunstância excepcional desses eventos pesa bastante.
Abraços!
26/03/2010 às 10:13
Vem uma cozinheira italiana e usa massa seca, é ridiculo, ela deveria fazer a massa, se não combina com o molho que mude o molho.
Desisti da Vinheria Percussi faz tempo, o ambiente e serviço até que são agradavel, a proposta é bem legal, mas eles não conseguem fazer uma comida nem média, se fosse média pelo menos, mas é ruim mesmo.
27/03/2010 às 09:56
Manuela,
pois é, também acho que não faz sentido trazer alguém da Itália para servir massa seca.
Este é um dos pontos. Os demais são relativos à execução e ao serviço, ambos fora do prumo.
Abraços!
27/03/2010 às 20:51
Alhos ,é melhor se falar em massa industrializada em vez de massa seca ,massa seca pode ser aquela feita em casa e posta para secar.O que se denomina massa fresca é aquela que acabou de ser feita artezanalmente e imediatamente utilizada,a massa seca pode também ser feita manualmente ,posta para secar e depois enrolada em ninhos.
28/03/2010 às 18:40
Pietro,
tudo bem?
Obrigado pelo correção.
É sempre importante manter a precisão.
Abraços!
29/03/2010 às 14:37
Alhos ,como ainda estamos falando de massas,o Bottagallo faz todos as suas massas na casa,todas de grano duro,excelentes.Aliás,o Botta tem o maior especialista de massas no Brasil,ninguém saca mais do que ele,é o “chefe” Deco.Comi lá no sábado,parpadelle com ragu de coelho, tonnarelli a carbonara e outras comidinhas.Nada de massa industrializada,uma maravilha.E quero aqui dizer do meu entusiasmo com a casa ,é sempre um prazer voltar a um lugar que vc.gostou e sentir que ele continua ótimo.Putz grila,o Botta não vacilou.
29/03/2010 às 14:47
Joaquim,
tudo bem?
Quer dizer que esteve por aqui?
Concordo integralmente: a comida do Bottagallo é muito boa.
Não escrevi sobre a casa no blog porque gosto de esperar um tempo – três, quatro meses – antes de comentar. Mas fui lá três vezes e tudo funcionou maravilhosamente. Minha única reclamação até hoje casa é pelo fato de não aceitarem reservas. Mas calculo que revejam isso.
Abraços!