Não basta ser pai, tem que participar: a frase é antiga e virou clichê, mas persiste válida.
Quando minha filha nasceu, prometi a mim mesmo que a cumpriria à risca. Por dez anos, pelo menos, os iniciais, ela seria prioridade na minha vida. Pouco depois descobri que a promessa e o prazo estipulado eram inócuos: ela seria prioridade sempre e para sempre.
Por isso, quando minha mulher viu que o Eñe faria um festival de jamón, vi que não havia jeito: teríamos de ir. Porque, junto com ovas, pato, bacon, alcachofras e trufas, presunto cru está na lista das preferências dela. Em bom português, cria cuervos.
Fomos ontem, penúltimo dia do evento. O cardápio proposto, a 195 reais por pessoa, incluía “degustação de jerez, servido no modo tradicional”.
De fato, é bonito e divertido ver o senhor, vestido a caráter, girar a venencia e despejar o vinho na taça bem do alto, deixando o líquido desenhar no ar. Feio, porém, foi descobrir que a “degustação” resumia-se a uma taça por pessoa, de uns 50 ml, y no más.
Minha filha obviamente não bebeu e nem nos serviram a tacinha que correspondia a ela, apesar de eu tê-la pedido ao garçom. Tampouco isso representou qualquer desconto na nota.
Mas deixemos mesquinharias de lado e vamos ao jamón, que é o que importa.
A tábua de frios de abertura não fazia feio. Três fatias de jamón e outros cinco embutidos, saborosos. Acompanhava um gostoso pan con tomate.
Seguiu uma salada, boa, suave, delicada: tomate picado na base, folhas no meio, torradinha fina, lâminas das discretas mas agradáveis trufas de verão e, claro, a fatia de jamón.
Logo depois, o melhor da noite: cogumelos salteados no bacon com caldo de carne, ovo poché, um fio de azeite e jamón. Diálogo acertadíssimo, sabores definidos, uma delícia.
Quando achávamos que a noite prometia, veio à mesa um equívoco: peixe em caldo de dendê, jamón por cima. Não que o peixe e o caldo fossem ruins. Também não eram bons. Medianos, digamos. Mas o presunto não tinha qualquer relação com o resto. Nenhuma mesmo.
O último prato era o conhecido e sempre macio e suculento cochinillo do Eñe, acompanhado de maçãs carameladas. Sem jamón.
O floresta negra — como dizer? Desconstruído? – valia pela cereja fresca e pela farofinha crocante. O bolo em si era inexpressivo.
Depois de certo esforço para obter a atenção de algum garçom, consegui pagar a conta (700 redondos, sem vinho) e bastaram uns quinze minutos para que me trouxessem a nota paulista.
Foi ruim? Não. Foi bom? Parcialmente. Valeu o preço? Claro que não. Ele equivaleu ao valor de um tremendo jantar com vinho no Fasano ou no Maní, para ficarmos em exemplos eloquentes.
Por quê? Pela vazio da degustação que não houve, pelos pratos que decepcionaram, pela quase ausência do jamón. Sim, sei que é um ingrediente caro, mas, se pesarmos todo o presunto que foi servido a nós três, dá algo em torno de cem gramas, e olhe lá — no Santa Luzia, outro exemplo rápido, cem gramas de Pata Negra saem por cerca de 50 reais.
E minha filha? Não desgostou, comeu com avidez o prato de cogumelos e depois cansou; no final, queria dormir.
Não perguntei a ela se a expectativa fora cumprida. Quando alguém é prioridade na vida da gente, dá para entender sem palavras.
Rua Dr. Mário Ferraz, 213, Itaim, SP
tel. 11 3816 4333
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Eñe
14/08/2010 às 11:17
Alhos,
Imagino que pela alegria de sua filha, tudo é válido!
Quando comecei a ler seu post, logo veio-me à cabeça o preço do Pata Negra na Sta. Luzia, que é onde compro.
Seus texto mais uma vez faz a conexão dos nossos desejos com as expectativas criadas em relação ao cardápio anunciado.
Que, infelizmente, quase nunca se harmonizam.
Mas se não testamos, não sabemos (ou sabemos?…) e você e sua família aproveitaram mais um jantar juntos e a filhota ganhou mais experiência. Mesmo em tão tenra idade!
Beijo!
Lena
14/08/2010 às 11:41
Lena,
tudo bem?
Obrigado.
É o melhor, não é?
Beijos!
15/08/2010 às 21:56
Alhos,
Que coincidência! Estávamos lá no mesmo dia!
Eu vi vocês na mesa, mas pode ficar tranquilo que não poderia reconhecer de novo… o anonimato está protegido! rs
Não fomos de degustação de jamón. Comemos umas vieiras com salsinha deliciosas, e o cochinillo estava sensacional.
No sábado fomos ao SAL pela primeira vez, por indicação sua, é claro. Adoramos!
Abraço e obrigado pelas dicas valiosas.
Pedro e Maira (Piracicaba-SP)
16/08/2010 às 06:18
Pedro,
tudo bem?
Obrigado!
Em que mesa vocês estavam? Junto à janela, ao nosso lado, ou nas mesas do meio?
Vocês nos identificaram, imagino, pelo fato de minha filha ser a única criança por lá. Foi isso mesmo?
Bacana que gostaram do Sal. Sempre comi bem lá.
Abraços!
16/08/2010 às 11:21
Alhos,
Na verdade ficamos esperando bastante no balcão, devidamente abastecidos com uma boa cava e “raciones” de jamón, pois perdemos a reserva (culpa do trânsito).
Depois sentamos na mesa ao lado do senhor do Tio Pepe, mas acho que a essa altura vocês já tinham ido.
Realmente identificamos vocês pela filhota.
Abraços
16/08/2010 às 13:43
dear garlic,
gosto da parte sensivel presente no inicio e fim do post
parabens
16/08/2010 às 19:34
Pan con tomate o, ‘Pa amb tomàquet’!
Prato tradicional catalão!
Não é algo pra se orgulhar muito porque não é difícil de fazer nem muito refinado… mas é de nossa cozinha catalã!
16/08/2010 às 20:32
Pedro,
na próxima, se apresentem e batemos um papo.
Abraços!
Raphael,
obrigado.
Também são as minhas partes preferidas.
Abraços!
Tico,
é, faz parte da nossa (!?) cozinha catalã…
Embora nossa mesmo seja a cozinha lombarda. rs
Beijos!
17/08/2010 às 15:52
Boa Tarde,
A ausência de jamon foi o que mais me tocou no post. Moro em Brasília e aqui, jamón é raridade. Tanto pra vendas no varejo, quanto em saborosos pratos em restaurantes. Quando encontramos é caríssimo! Porém existe em site que ven jamón espanhol de ótima qualidade e embalado à vácuo que eu recomendo a todos os apreciadores. Já fiz compras lá e é realmente de alta qualidade.
O site é http://www.emporioterrana.com.br . Não sei de onde é, mas a qualidade e a enytrega são ótima, recomendo muito.
Abraços,
Karla Teves
17/08/2010 às 20:51
Karla,
tudo bem?
Aqui em São Paulo é possível encontrar bons presuntos crus, mas o preço é sempre alto.
Obrigado pela dica.
Abraços!
22/08/2010 às 22:40
Não tenho filhos ainda, mas a sensação de agrader um filho deve ser ótima!
24/08/2010 às 06:11
Semiramis,
sem dúvida…
Abraços!
13/09/2010 às 19:31
Olá Alhos,
Acredito que uma crítica é sempre bom para um empreendimento. Isso significa que gostou do lugar e que reclama para que possam mudar.
Eu só gostaria de fazer o seguinte comentário: O restaurante oferecia uma degustação de jerez ou open bar de jerez? Porque aprendi no mundo do vinho que a degustação é apenas para saborear e conhecer aquela bebida fantástica.
Acredito também que se tivesse falado algo na hora (que eu com certeza faria) eles poderiam ter tido a oportunidade de mudar sua opinião. Eu costumo muito ir lá e sei que o atendimento é maravilhoso e nunca tive problema algum.
Abraços
13/09/2010 às 20:06
Adriana,
tudo bem?
Nunca ouvi ‘open bar’ aplicado a um jantar.
De qualquer forma, a expressão utilizada na divulgação do evento – de cuja ambiguidade só me dei conta depois – dizia que o “jantar” seria acompanhado de degustação. É possível, claro, o entendimento que você apontou. Mas, normalmente, quando se fala em “jantar acompanhado de degustação” sugere-se que todos os pratos serão acompanhados pela bebida.
E concordo que o atendimento do Eñe é gentil. Foi o que ocorreu nesse dia, inclusive. Mas nas duas vezes em que pedi que nos fosse trazida a taça que correspondia à degustação de minha filha, meu pedido foi ignorado.
Abraços!