Gosto do anonimato, do blog sem nome e sem rosto.
Claro que tal constatação não é novidade para quem me lê. Mesmo assim, alerto o leitor desavisado: gosto muito.
Cada vez, porém, é mais difícil manter-me anônimo. Ano e meio atrás, contava três ou quatro lugares onde conheciam meu rosto. Hoje essa cifra cresceu, deve ter dobrado.
Também aumentou o número de pessoas que podem não saber do rosto, mas associam o blog ao nome que consta de minha antiquíssima, hoje esfarelada, certidão de nascimento. Fazer o quê?
Certa vez Luiz Américo Camargo, do Estado, escreveu algo que me marcou. Ele disse saber que às vezes era reconhecido, mas felizmente nunca ninguém — as palavras são dele — “avançara o sinal”, tentara propor ou fazer algo que ferisse sua idoneidade e o compromisso que ele sabe ter com seu leitor.
Percebi a mesma coisa em alguns almoços que tive a honra e o prazer de partilhar com um amigo querido e crítico importantíssimo, Arnaldo Lorençato, da Veja São Paulo — no fundo, o responsável (culpado?) pela existência deste blog. É fácil notar a diferença de atitude quando percebem quem estão servindo. Mas, mesmo quando é patente o reconhecimento, nunca vi qualquer tentativa de “avançar o sinal”. O nome disso é respeito.
E vamos colocar as coisas no lugar: uma coisa é a qualidade, a importância e o impacto de uma crítica publicada por Luiz Américo ou por Lorençato; outra, muito menor, ínfima, é a produzida pela fala menos competente e justamente menos difundida de um blog.
Por isso me sinto à vontade para dizer que continuo a gostar do anonimato, mas hoje o suponho menos essencial — e, em alguns casos, impossível.
Gosto, sobretudo, por motivos diversos, que vão de minha timidez ao pavor de receber algum benefício indevido — pavor talvez herdado de um distante bisavô prussiano ou, mais provável, de um pai que prezava, em primeiro lugar, pelas relações absoluta e rigorosamente republicanas, em que ninguém poderia ter privilégios não acessíveis a outros.
Questões, no fundo, pessoais — e que procuro observar igualmente na vida real, tão distante do mundo das comidas.
Por serem temas e dilemas (reconheço: ocasionalmente, dramas e exageros) íntimos, não espero ou suponho que se tornem regra geral. Leio blogs e críticos formais conhecidos e reconhecidos a cada passo e nem por isso os deprecio. E não custa lembrar que o grande Saul Galvão, cuja credibilidade nunca foi posta em dúvida — e nem poderia —, era facilmente reconhecido já no umbral de qualquer restaurante.
Crítica melhor, em resumo, é crítica diversificada. Enxergamos melhor quando aproveitamos mais os olhos disponíveis, nossos e alheios. Em bom português: posso praticá-la aqui e ali, sempre de maneira imperfeita, mas continuo a ser sobretudo um leitor dos textos dos outros. Parodio um escritor famoso e fabuloso: me orgulho mais das críticas de restaurantes que li do que das que fiz.
Me orgulho de ler semanalmente os textos de Luiz Américo e Arnaldo; me orgulho de acompanhar blogs, como o dos BIchos e muitos outros que não cito aqui para não cometer injustiças e esquecer alguém.
Dito tudo isso, calculo que o paciente leitor que me acompanhou até agora esteja encafifado: aonde esse sujeito vai chegar? Por que dá voltas, voltas, e não diz a que veio?
Pois na semana que vem lhes contarei. Não, não quero fazer qualquer suspense barato. Desculpem-me se assim o parece.
Apenas evito que essa introdução — moldura que era para ser breve e ficou longa — se torne mais importante do que um caso que vou contar: o dos caminhos meio pedregosos de alguém que gosta do anonimato e pretendeu fazer uma festa num restaurante.
A história não pode (nunca pode) ser sufocada pela moldura. Fica para o próximo post. Mas os tranquilizo: o final é feliz.
17/12/2010 às 08:31
Caro Alhos, da próxima vez, inclua um “disclaimer” antes do post para curiosos patológicos somente lerem no momento oportuno.
17/12/2010 às 11:01
Boa tarde, Alhos!
Belo, belo post. E anacrônico, já que valores morais, sejam eles ética, respeito mútuo ou simplesmente isenção, estão em desuso… Que você siga assim: isento, imparcial, com sua sua esfarelada (assim como a minha…) certidão de nascimento, onde consta nosso bem mais precioso, seja ele conhecido ou não. Um forte abraço!
17/12/2010 às 15:31
Bom o teaser. Vamos esperar pela peça publicitária!!
Ou pelo provável filme tragicômico!rs
Abs.
17/12/2010 às 16:53
André,
tudo bem?
Não era a intenção…
É que ficou longo demais. Mas publicarei o resto logo.
Abraços!
Rubens,
tudo bem?
Obrigado.
A ideia é manter esses valores, sempre.
Abraços!
Edu,
tudo bem?
Não será filme tragicômico, muito menos peça publicitária.
Apenas um relato.
Abraços!
17/12/2010 às 18:01
Putz odeio teaser!!!
No aguardo!
Grande abraço e bom fim de semana
17/12/2010 às 21:58
Aiiiii… estou mega curiosa! Conta logooo!
18/12/2010 às 21:13
Muito bom tudo isso!!!!
Keep walking!
19/12/2010 às 00:44
Rapaz, até anonimato, hoje em dia, é relativo. Fui confundido com alguém, pois uma senhora me pediu um autógrafo em um restaurante. Respondi – não sei quem a senhora pensa que eu sou, mas não sou eu. Ao que ela respondeu – bem que eu li que vc era antipático! E virou as costas, sem me dar a chance de responder ou perguntar com quem ela estava me confundindo. Até hoje, não sei…Abs!
19/12/2010 às 07:11
Tadzio e Semiramis,
tudo bem?
Não era a ideia, não era a ideia…
Publicarei logo.
Abraços!
Li,
obrigado!
Abraços!
Wair,
tudo bem?
Fica a sugestão: da próxima vez, dê o autógrafo (em letra ininteligível) e faça a senhora feliz. rs
Abraços!
19/12/2010 às 19:27
Alhos, penso mesmo que o anonimato seria o desejável sempre. Mas, de fato, é tarefa difícil, quase impossível, mantê-lo por muito tempo. De todo modo, acredito que ética e seriedade independem disso. A questão é o indivíduo assumir um compromisso consigo mesmo, com a sua verdade, e procurar, o quanto seja possível, não se afastar dela.
20/12/2010 às 12:48
Constance,
tudo bem?
É isso mesmo: compromisso, sempre.
Beijos!