Muitos dias depois, diante do panelão de comida, eu tinha de recordar aquela tarde remota em que Roberta Malta me passou a dica. Tiradentes era, então, apenas uma miragem de minhas férias, com hotel reservado, piscina à espera e feliz possibilidade de passeios e leituras. Tudo soava, porém, tão longínquo e eu estava tão cansado que nem conseguia imaginar o dia em que chegaria por lá.
Sabia, no entanto, que Tiradentes tinha outras belezas, além da arquitetura colonial, das igrejas, imagens de santos e oratórios. A comida, por exemplo. E sabia, também, que Roberta estivera por lá no festival gastronômico do ano passado. Escrevi a ela. Minutos depois, a resposta: se eu podia esperá-la consultar suas anotações. Podia, claro.
Dia seguinte, a mensagem chegou, cheia de sugestões. O Chico Doceiro e seus canudos de doce de leite, imperdíveis. Pasteis de angu. Três restaurantes.
O destaque, porém, era a Estalagem do Sabor e a descrição do melhor prato, inquietante: “um mexidão incrível com banana, folhas de couve, lombo.”
Confesso: se não confiasse em seu paladar, esqueceria. Só que confio.
No dia 5 de janeiro, já instalados numa Tiradentes chuvosa e muito mais linda do que a supúnhamos, minha mulher, minha filha e eu fomos almoçar lá.
Lugar simples e agradável, discreto e arejado (sim, apesar da chuva, fazia calor mercuriano), atendimento simpático.
Cardápio relativamente breve, com opções sempre disponíveis e outras que dependiam de encomenda. Bati o olho e descobri que o tal mexidão se chamava “Mané sem jaleco”.
Dava para três? Dava, confirmou o garçom.
De qualquer modo, engrossamos o pedido com uma porção de mandioca frita — crocante por fora, macia por dentro, saborosíssima.
E recebemos, para início, um couvert bonito, interessante e gostoso, disposto em prato de metal escurecido, imitando um galho: folhas de couve, quatro rodelas de queijo. Cada queijo com complemento diverso: pesto, orégano, mostarda, mix de especiarias.
Mas o Mané sem jaleco… De fato, um mexido de arroz, feijões, couve rasgada, bacon, lombo, banana e cebola. Comemos feito leões (diria meu avô) e não conseguimos dar conta do panelão.
Exaustos e satisfeitos, felizes como só as boas comidas conseguem nos deixar, respiramos fundo: foi nesse momento que lembrei daquela tarde remota e agradeci à Roberta. Tiradentes agora tinha concretude e, com o perdão do trocadilho, mais sabor.
Voltamos à Estalagem na véspera de nos despedirmos da cidade. Comemos bons torresmos e uma costelinha suína com ora-pro-nobis, arroz e angu. Não empolgou tanto quanto o querido Mané, mas estava bem boa.
Preços? Entre 60 e 70 reais, para pratos que servem três pessoas com folga.
Nossa próxima viagem para Tiradentes — onde, espero, ainda morarei — já está marcada. Voltaremos, óbvio, à Estalagem do Sabor.
Será assim tão bom? Difícil dizer. Toda experiência é irrepetível desde sempre e para sempre. Mas quem recebe boas dicas está deliciosamente condenado a centenas de refeições inesquecíveis.
Estalagem do Sabor
Rua Ministro Gabriel Passos, 280, Tiradentes, Minas Gerais
tel. 32 3355 1144
14/02/2011 às 09:18
Excelente post, como sempre. Coincidência: “Mas quem recebe boas dicas está deliciosamente condenado a centenas de refeições inesquecíveis.” Concordo plenamente, mais agora que recebi a encomenda de oferecer dicas de restaurantes bons em Buenos Aires, eu, que não moro lá faz uns 15 anos…terei que procurar dicas de amigos.(tomara que existam uma Roberta e um Alhos) Abraço,
14/02/2011 às 10:31
♥
14/02/2011 às 21:11
Alhos, estou anotando todas as suas dicas pois irei desfrutá-las in loco no feriado de Tiradentes… nem sei como lhe agradecer!!!! E, desculpe, vou usar a sua última frase do seu post no meu twitter (com créditos, claro), pois achei a frase muito legal! abs
15/02/2011 às 02:11
Recebi hoje, de presente, um livro do Celidônio, e, falando em Minas, estavam lá: torresmo, ora-pro-nobis e o Maneco – com jaleco e sem banana… Abraços!
15/02/2011 às 05:49
Rubén,
obrigado.
E fico na expectativa de suas dicas buenaerenses.
Espero aproveitá-las ainda neste ano. Não vou lá desde 96, um absurdo.
Abraços!
15/02/2011 às 05:50
Roberta…
Thanks & Thanks, dear!
Kisses!
15/02/2011 às 05:52
Semiramis,
tudo bem?
Obrigado.
Aproveite a Estalagem: muito bom, barato e agradável.
Pode usar, claro. A frase final e parte do parágrafo inicial são, na verdade, paródias de trechos de ‘Cem anos de solidão’.
Abraços!
Rubens,
não deixe escapar!
A banana cai bem.
Abraços!
15/02/2011 às 19:42
ô crueldade.
acabei de jantar, entrei no blog e já estou com fome de novo… e um pouco longe de Tiradentes. nhé.
16/02/2011 às 08:16
Eduardo,
dê um pulinho até lá! rs
Vale a pena.
Abraços!