No Paladar de hoje, texto meu sobre a Sicília — uma breve declaração de amor….
Só uma ressalva: a edição saiu cortada e com erro.
Na última frase do penúltimo parágrafo, onde se lê:
‘que se deve confundir parmigiana verdadeira … com a fictícia que cobre filés em terras tupiniquins’,
leia-se, obviamente: ‘que não se deve…’
Para ler a versão publicada no Estado, clique aqui.
Abaixo, a versão completa e correta.
Esperei quarenta e cinco anos para conhecer minha terra natal, a Sicília. Nesse tempo, li muita literatura siciliana, bebi muito vinho siciliano. Pelos livros, mergulhei nos três mares que cercam a ilha, subi e desci montanhas, pastoreei cabras. Pelos vinhos, entendi melhor a elegância bruta, a suavidade vulcânica. Livros e vinhos me ensinaram que a Sicília é terra única, terra de todos. Por lá passaram gregos e troianos, árabes e judeus, peninsulares e ilhéus. Virou o contraste do contraste do contraste. Claro que me apaixonei.
Nos últimos dias de 2009, meu avião pousou em Palermo. Sem nenhuma mala (elas não chegariam até que eu as reencontrasse em São Paulo), entrei num carro e parti em direção ao mar Jônio. Duas horas e meia depois, já noite e já em Catânia, procurei onde comer. Onde. Porque o quê, eu já sabia: pasta alla Norma.
Não vou discutir aqui a origem do prato ou do nome — provável referência à ópera do catanês Bellini. Prefiro falar de uma obsessão, iniciada quase dez anos antes num pequeno restaurante em Milão e, daí para a frente, alimentada cotidianamente em restaurantes ou em casa. Qual a pasta alla Norma que pediria minutos antes de enfrentar o pelotão de fuzilamento?
Essa que comi na primeira noite siciliana, confesso, não foi das melhores. Estava lá a ricota caprina, o manjericão, a massa, tomates de verdade e, estrela maior, a berinjela. Outras noites, outros dias se passaram e perdi a conta de quantas vezes repeti o prato nos brevíssimos quinze dias que vivi na minha terra natal.
Mas não podia me limitar à Norma. De bar em bar, trattoria em trattoria, comi outras, e sempre deliciosas, berinjelas. Quase todo almoço, uma parmigiana diferente — e nem vou contar aqui o óbvio: que não se deve confundir parmigiana verdadeira (azeite, tomate, manjericão, queijo, sal, pimenta e… berinjela) com a fictícia parmegiana que cobre filés em terras tupiniquins.
Berinjela. Em italiano, melanzana. Em siciliano, milinciana. As más línguas dizem que não é nativa da Sicília. E (como costuma acontecer) elas estão certas. Também não são nativos da Sicília o lumiuni, a partuàllu e o ficu d’Innia. Não entendeu? Como assim, seu siciliano não é fluente? Vá lá, traduzo: limão, laranja, figo da Índia. Frutos que vieram da Malásia, da Arábia, da Índia… Não importa, até porque ninguém sabe direito. Importa o fato de que, na Sicília, se fixaram, cresceram e proliferaram, tornaram-se onipresentes na paisagem e na culinária.
Tanto que o limão virou “limão siciliano”, a laranja é a “rossa della Sicilia” e o figo da Índia parece que só veio à luz para embelezar (ainda mais) a encosta do Etna. Por isso os invejo. Queria ser milanzana, lumiuni, partuàllu ou ficu d’Innia. Porque terra natal de verdade é a que elegemos, não onde nascemos.
23/06/2011 às 17:31
o texto do Estadão estava ótimo, mas o completo é bem melhor… Tão bom viajar para experimentar os pratos sonhados!
23/06/2011 às 22:09
a opera norma de bellini tem um dos arias mais lindos ja escrito, casta diva … ao lado do dueto de sopranos do bodas de figado, um dos meus favoritos, ah ! o post esta otimo !!!
24/06/2011 às 14:24
Eliane,
obrigado.
Abraços!
Raphael,
obrigado.
E estou de acordo. Gosto muito de Norma.
Abraços!
25/06/2011 às 13:02
Gostei tanto que compartilhei o link no meu facebook, espero que não se importe. Meu pai é italiano, do norte (é veneto), onde já estive. Mas o sul me fascina, e ainda quero conhecer, se Deus quiser! abraço M
29/06/2011 às 09:27
Marcelo,
tudo bem?
Obrigado. Vá, sim, à Sicília. E, se possível, leve seu pai. É um mundo muito diferente do norte, mas igualmente belo.
Abraços!