Quase no final de “Manhattan”, Isaac —o personagem de Woody Allen— deita-se no sofá e, gravador em punho, começa a listar as coisas pelas quais a vida merece ser vivida.
A cena parece ser simples, mas não é. Tampouco é fácil montar a lista, embora alguns dos itens soem prosaicos, quase banais.
E assim a tensão entre a simplicidade da resposta e a complexidade da pergunta —o dilema existencial por excelência— transforma o rápido monólogo em uma das passagens mais líricas do cinema.
É provável que você, leitor, já tenha se feito a mesma pergunta. Eu me fiz, claro. Várias vezes. E como ainda espero viver muito —no mínimo, o dobro do que já vivi—, sei que ainda a refarei. O próprio filme de Woody Allen, aliás, é item fixo da minha lista.
Pois desde a semana passada uma refeição passou a fazer parte dos motivos que justificam meus 47 anos —no geral, felizes, mas, humano entre humanos, também marcados, aqui e ali, por horas difíceis.
Os primeiros indícios de uma noite linda vieram com o pão crocante, a manteiga, o mandiopã, o salaminho artesanal do Sul, as gougères de Gruyère: petiscos que antecediam o menu de nove tempos do restaurante de Roberta Sudbrack.
Durante cerca de três horas e meia, comi a incrível canjiquinha de milho com ovas, o aspargo branco e seu caramelo, o delicado tataki de atum, o preciso ravioli de abóbora, a crocante pele de milho com foie gras ralado e semente de figo, o afinado trio queijo-kinkan-broa de milho, o delicado sorbet de goiaba.
Um vermelho —com lentilhas e azeite— que me deixou azul de alegria. O melhor cordeiro que me lembro de ter provado. O melhor mil folhas, dentre as centenas que já comi.
Tudo simples e tudo complexo.
Simplicidade, afinal, inclui gesto amplo, lentidão. Transforma o banal em profundo.
Simplicidade, afinal, é sempre sofisticada, nunca imediata ou grosseira.
Por tudo isso e muito mais, jantar assim é uma das coisas pelas quais a vida merece ser vivida.
Rua Lineu de Paula Machado, 916, Jardim Botânico, RJ
tel. 21 3874 0139
22/10/2011 às 17:02
Eu estive pela primeria vez no Roberta Sudbrack mês passado e experimentei o menu completo. Foi uma das melhores refeições da minha vida. Simples.
Posso dizer também que a carta de vinhos é excelente, fugindo da mesmice que costumamos ver e a preços excelentes.
22/10/2011 às 20:44
Que belo texto !
Em próxima visita ao RJ tentarei ir ao restaurante dela !
Já imaginei até os vinhos possíveis para acompanhar esses pratos !
Muito bom !
Abraço !
22/10/2011 às 22:20
Alhos, mais um texto seu que me arrepia.
A sequência de Manhattan que você menciona é das coisas que mais me comovem na vida. Já vi e revi algumas vezes e pretendo fazê-lo muitas mais. Porque o gênio de Woody Allen e a música de Gershwin merecem ser revisitados sempre. Como o restaurante de Roberta Sudbrack.
Só não perddo ter vindo ao Rio e eu nem ter sabido, viu? Pensando seriamente se lhe dou um bolo na segunda-feira ; )
23/10/2011 às 10:16
Aristóteles,
tudo bem?
Gosto da carta de vinhos também.
Fui duas vezes lá e, em ambas, saí muito satisfeito. Uma maravilha.
Abraços!
Luiz,
tudo bem?
Obrigado.
Vá, sim.
E aproveite os vinhos.
Abraços!
Constance,
obrigado.
E me desculpe, menina…
Pensei avisá-la que estava aí, mas a correria foi tanta que não daria nem para tomarmos um café. Além disso, dessa vez não fiquei no Leblon. Na próxima prometo que não falho.
E, por favor, nada de bolo na segunda. rs
“Manhattan” é, desde que o vi no cinema, em 79, meu filme favorito. E essa sequência, uma das mais lindas.
Beijos!
23/10/2011 às 18:39
Realmente, listar as coisas que merecem ser vividas é muito difícil. Conhecer um determinado lugar, ver aquele show, ler um livro… e é claro, uma bela refeição… são coisas que devem e merecem ser vividas sim!
24/10/2011 às 17:21
Semiramis,
tudo bem?
Sempre, sempre.
Abraços!
26/10/2011 às 09:13
Parabéns pelo texto. Seu blog é leitura obrigatória para mim. Não fique tanto tempo sem atualizá-lo rs.
Abraços.
31/10/2011 às 09:14
Anderson,
tudo bem?
Obrigado.
É que os dias andam corridos…
Abraços!
03/11/2011 às 13:50
Alhos, quando li “pão, manteiga e mandiopã” logo vi que a noite feliz tinha sido na Roberta. Realmente, um lugar maravilhoso! Volte sempre ao Rio! Grande abraço.
04/11/2011 às 10:44
Eugenia,
espero voltar, sim. Adoro o Rio.
Abraços!