Só fui a Portugal uma vez e faz muitos anos. Quinze, para ser mais preciso. E confesso que não foi lá essas coisas.
Lisboa estava em obras, para responder a exigências da Comunidade Européia. Eu, em meio às atividades de um congresso imenso e infértil, tentei conhecer a cidade e comer bem. Mas a cidade era hostil e os amigos, parcos. Minha namorada e eu não vivíamos os melhores dias de nossa história e… Bem, vou poupá-los de detalhes íntimos.
O fato é que as poucas lembranças boas que guardei são as de uma fortaleza moura e de um jantar num restaurante apropriadamente chamado Atira-te ao rio, às margens do Tejo, onde, em companhia de quatro amigos, demos cabo de dez garrafas de um agradável branco da José Maria da Fonseca.
Do congresso não lembro nada. Nem o que falei, muito menos o que ouvi. Mas todo mundo sabe que congressos servem para flerte e turismo, não para boa atividade intelectual. Fora isso, fiz jantares até bons, mas sempre peixes além do ponto, em molhos profusos e pesados. E doces conventuais que provocavam aquela dor atrás da orelha, sinal de que o açúcar estava batendo na aorta – junto com o amor, que naqueles dias andava de folga.
Um dia ainda voltarei a Portugal e mudarei minha impressão da boa terra. Até que isso ocorra, e a cada vez que vou a um dos restaurantes portugueses de São Paulo, fico cá a relembrar aqueles quinze dias, sem nenhuma mitologia da saudade. Porque o padrão da comida é idêntico. Às vezes, bem executado, às vezes, mal. Mas sempre comida pesada, desmedida, anacrônica. Luiz Américo de Camargo, crítico atento, já comentou a falta de renovação das casas portuguesas da cidade.
Recentemente almocei no Bela Sintra. O restaurante é bonito, bem mais agradável do que a casa que lhe deu origem. O serviço é atencioso. O couvert, dos melhores de São Paulo, tem bolinhos de bacalhau e croquetes que dão vontade de nunca parar de comer. A carta de vinhos é relativamente restrita e traz poucos rótulos abaixo de 100 reais, mas oferece opções.
E a comida? Muito boa, dentro da proposta.
Minha mulher pediu um bacalhau à Herdade do Esporão. Posta bonita, assada no azeite, coberta de alho-porró, acompanhada de legumes e verduras fritas (a cenoura estava rija, mas a rúcula frita estava ótima, ligeiramente adocicada) e batatas. Ótimo pescado, que poderia ter saído do forno bem antes – mas não no conceito que preside a casa.
Preferi o arroz de pato, farto e gostoso, mas carregado demais no bacon, cujo sabor se sobrepunha muitas vezes ao da ave.
De sobremesa, minha filha ficou com os ovos nevados, de apresentação linda e lúdica; minha mulher preferiu a salada de laranja (laranja em rodelas com calda) e eu, para levar o tradicionalismo às últimas conseqüências, pedi ovos moles. Doce, doce, doce. Doce.
Pratos principais e sobremesas bem feitos, gostosos, com ingredientes de ótima qualidade. Mas tudo pesado e antigo – para o bem e para o mal. Porque tradição é importante e não pode ser jogada no lixo, mas tampouco deve se impor e nos amarrar a um passado genérico, bruto, impermeável.
Saí do restaurante lembrando de 94, minha solitária visita a Portugal. Reconheci mais uma vez que A Bela Sintra é das melhores casas de São Paulo na sua especialidade e que cumpre integralmente o que promete, ainda que a preços altos demais.
Não sei quando voltarei. A Portugal, queria voltar para apagar as marcas ruins da primeira viagem. Para descobrir o que há de novo na gastronomia de lá, que ainda não chegou a São Paulo. Ao Bela Sintra, voltarei hora dessas.
Mas não deixa de ser um pouco desconfortável pensar que, daqui a dez dias ou quinze anos, pode estar tudo igual.
Rua Bela Cintra, 2325, Jardim Paulista, SP
Tel. 11 3891 0740
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): A Bela Sintra