Comer fora — por quê?
Calculo que haja dezenas, milhares de respostas.
Uns —os pragmáticos— poderiam dizer que comem fora para não ter que preparar a refeição.
Outros —os que se creem mais sofisticados— associariam a algum tipo de comportamento elegante. Outros, ainda, responderiam com um rápido ‘badalação’.
Mais recentemente surgiram aqueles que buscam novas experiências e que medem a qualidade das refeições em função das surpresas que encontram.
Mais ou menos caricaturais, algumas dessas respostas ajudam a compor um cenário em que o mundo das comidas é visto como espaço de celebração e celebridades, em que cozinhar vira performance e pleiteia a condição de arte ou de ciência.
Confesso que não gosto de nenhuma das associações, mas as respeito: a glamourização da gastronomia é, afinal, um fenômeno intenso e contemporâneo —fascinante como a chuva ácida ou o superaquecimento global. Além disso, move um incrível mercado de gentes e produtos.
Só que, em tempos de excessos e desmedidas, quero dar a minha resposta à pergunta: comer fora, por quê?
E é uma resposta prosaica: porque me permite ver a chuva fina lá fora.
Explico.
Saio do trabalho e entro no AK Vila, almoço de quinta-feira.
Do balcão de frutos do mar, em fase de experiência, escolho duas ostras e o ceviche de vieiras. Repito o par de ostras. Vieiras e ostras suculentas, saborosas, intensas. Merecem muitos adjetivos. Deixam, na boca, o gosto de mar.
Então peço, do cardápio, as lulas grelhadas com vinagrete morno, abacate e romãs. É uma entrada, que vira meu prato principal porque não quero perder o frescor salgado, nem deixar de sentir o mar que me rodeia.
Quero, sobretudo, continuar ali, olhando a rua úmida sob a garoa discreta.
Porque, para mim, comer fora se divisa sobretudo com divertimento, com prazer. Com um gesto tão cotidiano e simples quanto profundo e vital.
Quem dera, hora dessas, parem de conceituar, problematizar, ostentar, supervalorizar o mundo da gastronomia. Quem dera esqueçam as metáforas do laboratório e do ateliê quando quiserem falar de cozinha.
Quem dera descubram o prazer imenso de comer bem e, ao mesmo tempo, vejam a chuva fina, que cai lá fora.
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