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Meus vinte, hoje

30/08/2011

 

Começou como um desabafo, ao sair de um jantar inexpressivo: ‘Não há, em São Paulo, mais de vinte restaurantes que de fato valham a pena’ — escrevi no twitter.

A cifra é arbitrária. O comentário, idiossincrático. Mesmo assim o repeti mais de uma vez.

Então passaram a me cobrar que fizesse a lista.

Não foi fácil, claro. E ela não representa necessariamente os melhores restaurantes de São Paulo. Três das principais casas da cidade estão ausentes — D.O.M., Maní e La Brasserie de Erick Jacquin — e gosto das três. Apenas não acho que tenham a necessária regularidade, o que muitas vezes torna ruim a relação custo-benefício.

Claro que posso ter esquecido de algum lugar. Assim que lembrar, acrescento. Obviamente, ela está em ordem alfabética. E tem 21 nomes, não vinte.

Finalmente: não custa lembrar que a lista se refere a… hoje. Amanhã pode ser outra.

 

AK Vila

Amadeus

Brasil a Gosto

Chef Rouge

Così

Dalva & Dito

210 Diner

Emiliano

Epice

Fasano

Gero

Ici

Jun Sakamoto

Marcel

Mocotó

Parigi

Picchi

Sal Gastronomia

Tappo

Tordesilhas

Zena Caffè

 

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Piscidade

22/06/2009

 

Minha mulher e eu estamos na meia-idade.

A expressão é feia e cafona, mas otimista: sugere que ainda viveremos o mesmo tanto que já vivemos. Pas mal.

Para alguns, meia-idade é a idade do réptil: você começa a enrugar e sente mais frio, principalmente nos extremos – daí ser também a idade da meia.

Para outros, é a idade do lobo ou da loba, cuja voracidade por carne jovem e tenra se acentua, às vezes no limite do ridículo.

Nós preferimos evitar a reptilização ou a lupanização. Meia dúzia de valores e alguns cuidados físicos ajudam.

No entanto, cada vez mais nos damos conta de que estamos na idade do peixe, piscidade.

Não, não melhoramos em natação, nem passamos a soltar bolhas. E tomamos o cuidado de observar se andam brotando guelras e escamas pelo corpo.

Também na nossa filha, que está na primeira idade, embora acredite estar na segunda.

Porque cada vez mais comemos peixes e outros animais marinhos.

Nessa semana mesmo, fizemos seis refeições seguidas com esses animais.

A melhor delas foi a do domingo, dia em que completamos onze anos de casados (sim, casamos tarde para os padrões brasileiros) e, para comemorar, fomos comer… bichos do mar!

Num dos melhores, talvez o melhor restaurante de pescados de São Paulo. Com uma chef muito talentosa: Bella Masano.

Amadeus.

Ele não aparece tanto na mídia quanto deveria, nem é muito lembrado quando se fazem as listas do que temos de melhor por aqui. Vez ou outra ganha um prêmio – como o da Vejinha, no ano passado. Menos, porém, do que merecia.

Primeiro, o couvert gostoso, com pães, manteiga, creme de abóbora, beterraba, trouxinha de polvo e pastel de camarão.

Minha filha enlouqueceu com o pastel e pediu mais um ao garçom. Gentil, ele trouxe outros três; ela, sem titubear, deu cabo deles. Depois ainda enfrentou os dois saborosíssimos filés de truta com palmito pupunha grelhado e abobrinha em cubos e crisps.

Minha mulher e eu optamos pela “sinfonia de camarões”, uma degustação do crustáceo que quase provoca uma overdose das boas: camarão grande com fundo de alcachofra (puxada demais no limão, ficou com o sabor encoberto); o incomparável cuscus de camarão de lá (do qual andava com uma saudade brutal), com folhas verdes; sorvete de tangerina como tira-gosto; camarão rosa na grelha com shitake, acompanhado de azeite de alho com raspas crocantes de alho; camarão gratinado com ervilhas (frescas) e palmito; camarão grande com molho de tomate, azeitonas pretas e manjericão, acompanhado de arroz de azeitonas pretas.

O sabor do bicho era, em todos os pratos, intenso: camarão de primeira, com preparo cuidadoso e deixado no ponto de cocção exato, sem enrijecimento ou perda daquela maciez e textura de semi-cru. Meu preferido foi o grelhado com shitake e alho. Dispensaria o molho e acompanhamento do último prato (bem feitos e saborosos; o problema é comigo: não sou fã de azeitona preta).

O Muscadet de Sèvre et Maine sur Lie funcionou bem com os pratos e tinha preço razoável em meio à caríssima carta, que me impediu de pedir o Riesling em que fui pensando. Talvez valha mais a pena recorrer à opção de vinho em taça, extraído das máquinas.

A sobremesa de nossa degustação era um straciatelli (com frutas secas, castanha, mel e sorvete sem-graça de creme) crocante e com doçura na medida. Minha filha preferiu o ótimo prato de morangos flambados com nêspera e sorvete.

Para fechar, Nespresso acompanhado de uvas cobertas de chocolate, telha e chantilly. Tudo muito bom.

O serviço, de resto, deve ser dos melhores de São Paulo: desde a gentileza de quem atende o telefone para a reserva até o cuidado de quem orienta o cliente ao estacionamento (gratuito, diga-se de passagem) e a atenção curiosa de colocarem um saquinho de lixo no carro. Sem contar que, pela primeira vez na minha vida, ouvi um garçom oferecer a nota paulista.

Chegamos em casa e corri para o espelho. Será que, além de guelras, escamas, não estavam surgindo em meu rosto longos bigodes e olhos protuberantes?

Será que uma casca rosada se formava ao redor do meu corpo, decretando minha definitiva metamorfose em animal marinho?

Não notei nada de diferente. Até agora, continuo humano, demasiadamente humano. Meia-idade, humanidade integral. Mesmo assim, preferi escrever e publicar o comentário logo. Para dizer como é bom, como é muito bom, como é ótimo, o Amadeus.

A única coisa que não entendo é por que estou sentindo uma vontade imensa de imergir.

Amadeus

Rua Haddock Lobo, 807, Cerqueira César, SP

Tel. (11) 3061 2859

Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Amadeus