Certos restaurantes trazem o ar rarefeito, mas decisivo, da memória.
Foi lá que jantei com meus padrinhos antes do casamento. Foi lá que tantas vezes comi patos e cordeiros memoráveis. Foi lá que minha filha provou escargot pela primeira vez. Foi lá que comemorei uma meia dúzia de aniversários, meus e alheios.
Foi no Chef Rouge.
Por isso já falei a tanta gente que é dos meus preferidos em São Paulo.
E foi no Chef Rouge que jantei na sexta-feira passada.
A decoração continua a mesma — e gosto dela, embora normalmente prefira ambientes visualmente mais limpos (em bom português, clean).
O serviço segue cortês, sem ser contaminado pela praga da falsa intimidade e da bajulação que tomou de assalto alguns de nossos bons restaurantes.
O couvert ainda é agradável. A carta de vinhos continua reduzida, mas suficiente. E o menu traz uma interessante sugestão de pratos do Mediterrâneo; não chega a compensar a retirada da coxa de pato no molho de cassis — um dos patos top-five da cidade —, mas atrai.
Minha filha escolheu a tagliarini Le Procope, uma das homenagens do Chef Rouge a outros restaurantes. Molho de limão, azeitonas pretas e presunto cru. Massa no ponto exato, saborosa, sem excesso no limão.
A escolha de minha mulher foi a melhor da noite: cavaquinha rapidamente chapeada com salada verde, batata e creme fraîche. A crème vinha carregada demais na acidez e carecia do sabor prometido de queijo caprino, mas o crustáceo estava delicioso.
Meu cassoulet infelizmente derrapou. O pato, minúsculo e meio insosso, me fez lembrar, nostálgico, de bons e fartos cassoulets au confit de canard dentro e fora da cidade. O feijão estava bem equilibrado e consistente, mas os demais embutidos chegaram inexpressivos. O garçom esqueceu-se de deixar o arroz acessível ou voltar a servi-lo. Portanto, só na primeira rodada pude combiná-lo com o restante.
A sobremesa é obrigatória no Chef Rouge. Minha filha quis a boa e bonita torta mousse de chocolate. Eu escolhi a normalmente incomparável tarte tatin. Mas dessa vez ela não empolgou: faltava-lhe a crocância característica, o que denunciava que o frescor já se fora. Além disso, a fatia, muito pequena, veio toda desmantelada, feia.
O último dissabor veio na conta, bem acima do que devia: quase 500 reais, resultado de pratos que giram em torno de 60, 70, alguns a 80 reais.
O que são 500 reais? Depende, claro, do que se come. Mas uma refeição como a que fizemos (sem entrada, 3 pratos, duas sobremesas, águas e vinho — Borgonha básico a 130, com sobrepreço excessivo) sairia por 40% a menos em vários bons, talvez melhores, restaurantes de São Paulo. Portanto, foi caro demais.
Balanço geral: saímos de lá chateados. Foi um mau jantar? Não. Mas não foi o Chef Rouge de nossa memória, da correção em todos os pratos, do preço que sempre achamos justo.
Tudo o que vivemos lá continuará conosco. Só não queríamos que o teatro das boas lembranças vivesse esse quase entreato.
Chef Rouge
Rua Bela Cintra, 2238, Jardim Paulista, SP
Tel. 11 3081 7539
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Chef Rouge