Quando pequeno, raramente comia fora. Faltava dinheiro e faltava o hábito. Talvez quem não tenha vivido custe a acreditar, mas os tempos eram muito diferentes quarenta anos atrás.
Lembro, porém, de algumas refeições em restaurantes, principalmente com meu avô, homem digno e brincalhão que só pedia um prato: filé com fritas.
Na minha imaginação infantil, aquelas batatas — no estilo dos restaurantes antigos: gordas, duplamente fritas, em geral encharcadas — eram o melhor que uma cozinha profissional podia oferecer. Deve ser por isso que, ainda hoje, quando as encontro, como com uma voracidade que ignora sua duvidosa qualidade.
Meu avô adorava o Dinho’s Place. Ficava a dois quarteirões de sua casa e ir lá era um evento todo especial, um dia ‘formidável’ — palavra que ele gostava de usar e, fora o Ulysses Guimarães, seu conterrâneo, nunca ouvi alguém empregar com tanta adequação.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se os paladares.
Desde que meu avô morreu — há quase trinta anos — voltei poucas vezes ao Dinho’s. Se meu cálculo está certo, três.
Sábado passado combinamos que no dia seguinte almoçaríamos lá.
Acordei cedo, domingo, pensando em meu avô. Lembrei de meia dúzia de episódios familiares, fiquei matutando neles. Armadilhas da memória.
Atravessamos a porta do restaurante às 13. Enquanto olhávamos o cardápio, o pianista começou a tocar Dindi. Definitivamente os anos 60 — ou os 70 da minha infância, na gravação da Maysa — estavam presentes, vivos. A música prosseguiu com Strangers in the night e nós, estranhos ao presente, optamos pelo bufê.
Nas duas horas que ficamos lá a decoração atualizada não impediu que a sensação fosse de uma viagem no tempo: senhoras e senhores de cabelos brancos, famílias inteiras no clássico almoço de domingo ignoravam a Parada Gay que seguia a poucos metros e mostrava que o século XXI já começara.
A comida? Razoável, mas nem chegava perto das boas casas de carne de hoje. Que importa? Meu itinerário era de outra ordem, melancólico, íntimo, saudosista.
Saímos andando sob a chuva fina e me lembrei de uma frase de Faulkner, que diz que o passado não passa.
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