Você já ouviu essa frase hoje?
Provavelmente.
E ontem e anteontem e assim por diante até retrocedermos a 25 de janeiro de 1554. Um bandeirante e um jesuíta talvez tenham olhado o horizonte (na época, creia, era possível enxergar o horizonte desde o planalto) e constatado: São Paulo é feia.
Hoje, quatrocentos e cinquenta e tantos anos depois, virou mania dizer que São Paulo é feia. Assim, os paulistanos professam com louvor sua peculiar forma de destratar a cidade em que vivem.
Têm razões de sobra, é claro: umas quatrocentas e cinquenta e tantas logo me vêm à cabeça.
Sem falar que esse masoquismo urbano virou também uma manifestação cult: fica subentendido que o interlocutor conhece muitas outras cidades, todas naturalmente superiores a São Paulo e, em seu requinte de urbanista, sabe bem avaliá-las e compará-las.
E assim vemos elogios rasgados a lugares horríveis (não, não citarei cidades muito piores do que São Paulo), sempre vistos na perspectiva do turista, jamais do morador. São Paulo, afinal, é feia: basta constatar.
Acontece que, embora seja (conforme bem sabemos) feia, São Paulo tem coisas sensacionais.
Pense no Effendi.
Ande meio quarteirão para a direita e verá uma infinidade de lojas mal ajambradas, com vitrines idênticas e gosto duvidosíssimo.
Ande meio quarteirão à esquerda e estará no coração das trevas da Cracolândia.
Então não ande, fique sentado ao balcão e peça uma das melhores, talvez a melhor esfiha de São Paulo. Preparada na hora, massa saborosa, bem assada, cobertura deliciosa de carne, queijo, espinafre ou basturma.
Diante dos seus olhos (lembre-se: você não andou à direita, nem à esquerda e ainda está sentado ao balcão, esperando a esfiha ficar pronta), uma televisão exibe programas a que você jamais assistiria na sua casa. Acima e abaixo da tv, bebidas que você nem lembrava mais que existiam — e era melhor mesmo não lembrar.
Mas a esfiha está ali, incólume aos modismos e às frases feitas e artificiais de chefs que se divisam com publicitários.
Ela, a esfiha do Effendi.
Porque São Paulo é feia. Mas felizmente também é linda.
[ps. Vivi 48 anos e meio, dos meus 49, em São Paulo. Acho São Paulo feia e acho São Paulo linda. Hoje, depois de comer, às dez e meia da manhã, uma esfiha de queijo com basturma no balcão do Effendi, acho que São Paulo é muito mais linda do que feia.]
Effendi
Rua Dom Antônio de Melo, 77, Luz, São Paulo
tel. 11 3228 0295