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Alho de Ouro 2012

18/12/2012

 

Todo prêmio, em toda área, tem lá suas idiossincrasias.

 

Certamente nenhum supera (ao menos nisso, ao menos nisso!) o Alho de Ouro.

 

Ele é oferecido de vez em quando e sempre com um critério diferente. Basta ver os resultados de suas edições anteriores (2009 e 2011).

 

Alho de Ouro evita as categorias fixas, mas jamais valoriza locais que não sejam de categoria.

 

Três endereços de primeira categoria, no entanto, ficam de fora da premiação: Roberta Sudbrack, D.O.M. e Fasano. São hors-concours.

 

 

Na edição 2012, optamos (‘alhos’, afinal, é plural) por distribuir os prêmios em três blocos:

 

 

Alho de Prata para os restaurantes que, sem ter atingido os píncaros da glória (sim, píncaros da glória; nenhuma premiação pode, evidentemente, prescindir de clichês e frases feitas) dos que receberam Alho de Ouro, foram fundamentais.

 

Meu Alho para aqueles lugares que são uma espécie de porto seguro, garantia total, prazer contínuo.

 

Alho de Ouro para os principais destaques do ano: restaurantes que empolgaram em pelo menos três visitas.

 

 

Cogitei seriamente eleger o Alho de Lata: casas em que fiz refeições trágicas ou que não valem o que custam. Desisti porque a lista certamente chamaria mais atenção do que a dos bons restaurantes e deixaria em segundo plano quem trabalha sério e bem. Lasciare perdere, em bom português.

 

 

Considerações gerais feitas, deixemos os prolegômenos e vamos ao que interessa (ao fundo, “Pompa e circunstância”, de Elgar).

 

 

O Alho de Prata vai para…

— Attimo

— Emiliano

— Mocotó

 

 

Meu Alho vai para

— Aconchego Carioca – SP

— AK Vila

— Marcel

— Tappo Trattoria

 

 

O Alho de Ouro vai para…

— Chou

— Clos de Tapas

— Tordesilhas

 

 

 

E acabou 2012, um ano terrível. Que dias melhores venham para todos nós.

 

 

 

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2011 à mesa

15/12/2011

Fim de ano, hora de balanço.

Cogitei soltar uma nova fornada do Alho de Ouro, idiossincrático e bissexto prêmio, mas desisti.

Preferi falar dos lugares que valeram a pena, para mim, em 2011.

Duas estreias que, além de serem as mais interessantes do ano, ainda por cima rimam: Julice e Epice.

Julice, a padaria que me deu alegria atrás de alegria —e a melhor das alegrias, a de ter um delicioso pão, alimento essencial, sempre por perto.

Epice, o restaurante que criou um almoço executivo sensacional e que, se conseguir à noite a excelência que demonstra de dia, pode se tornar um dos melhores de São Paulo.

Os quatro melhores jantares do ano aconteceram em restaurantes de estilos muito diferentes: uma inacreditável degustação na Brasserie de Erick Jacquin —um dos grandes jantares da vida, não só do ano—, outra degustação maravilhosa com Roberta Sudbrack, a revelação da absoluta delícia do Clandestino e um jantar decisivo num de meus refúgios favoritos, a Tappo.

Fora isso, a conclusão de que Marcel, Ici e 210 Diner continuam deliciosos. Que o Tordesilhas prossegue na lista dos restaurantes essenciais da cidade. Que o Emiliano corrigiu a afetação de seu serviço e sua comida está melhor do que nunca. Que a Casa da Li, a princípio uma rotisserie, virou também um excelente restaurante.

Mas se eu tivesse que escolher meu restaurante do ano, escolheria o AK, agora AK Vila, uma reestreia. Perdi a conta de quantas vezes comi lá, do quanto minha geografia da cidade foi alterada para que eu frequentasse mais a Vila Madalena. No AK Vila, além da comida sempre boa, descobri o acolhimento e o prazer que sentia no AK da Mato Grosso e que eu supunha ter perdido na mudança. Não perdi.

E, como tudo tem seu lado ruim, o ano também trouxe grandes decepções. Um jantar caríssimo, cheio de afetação e sem brilho no Arola 23. Uma refeição igualmente cara e desleixada no Kinoshita. E o desconfortável desaparecimento do Jun Sakamoto, em meio a um jantar em seu balcão, sem que qualquer satisfação fosse dada aos clientes —que haviam cumprido todas as recomendações dadas por telefone, quando da reserva.

Mas faço as contas e vejo que o balanço foi positivo. As coisas boas ultrapassaram em muito as ruins e esse 2011 à mesa valeu a pena.

Agora, descansar e descansar, porque nos outros setores foi um ano pesado demais. E esperar que, com ou sem o fim do mundo, 2012 seja um ano muito bacana para todo mundo.

Meus vinte, hoje

30/08/2011

 

Começou como um desabafo, ao sair de um jantar inexpressivo: ‘Não há, em São Paulo, mais de vinte restaurantes que de fato valham a pena’ — escrevi no twitter.

A cifra é arbitrária. O comentário, idiossincrático. Mesmo assim o repeti mais de uma vez.

Então passaram a me cobrar que fizesse a lista.

Não foi fácil, claro. E ela não representa necessariamente os melhores restaurantes de São Paulo. Três das principais casas da cidade estão ausentes — D.O.M., Maní e La Brasserie de Erick Jacquin — e gosto das três. Apenas não acho que tenham a necessária regularidade, o que muitas vezes torna ruim a relação custo-benefício.

Claro que posso ter esquecido de algum lugar. Assim que lembrar, acrescento. Obviamente, ela está em ordem alfabética. E tem 21 nomes, não vinte.

Finalmente: não custa lembrar que a lista se refere a… hoje. Amanhã pode ser outra.

 

AK Vila

Amadeus

Brasil a Gosto

Chef Rouge

Così

Dalva & Dito

210 Diner

Emiliano

Epice

Fasano

Gero

Ici

Jun Sakamoto

Marcel

Mocotó

Parigi

Picchi

Sal Gastronomia

Tappo

Tordesilhas

Zena Caffè

 

Quatro vezes Itália

27/12/2010

 

Prepare-se, leitor, este será um longo texto. Se quiser desistir, ainda dá tempo.

E tenho que reconhecer: errei.

Errei e voltei a errar todas as vezes em que afirmei que a culinária italiana é mal compreendida no Brasil.

Não é propriamente que eu tenha mudado de ideia: continuo teimosamente a achar que o brasileiro, e mais particularmente o paulistano, se incomoda com os sabores fortes, com a predominância de massas (inclusive nos doces), com a intensidade dos temperos que caracterizam a comida italiana de verdade, do sul ao norte da península e nas ilhas.

Somos historicamente francófilos, e mais recentemente hispanófilos — ou adriànófilos e quejandos. A cozinha italiana, entre nós, virou uma caricatura. E assim foram se acumulando as ‘cantinas’, que pretenderam emular a simplicidade das trattorie e osterie italianas, mas alteraram tudo: do ponto de cozimento das massas ao padrão dos molhos. E passamos a acreditar que aquela era a comida italiana.

No outro extremo, ficaram os restaurantes italianos de alta gastronomia, precisos, perfeitos e caríssimos. Acessíveis a poucos. Dois ou três nomes, e olhe lá: Fasano, Vecchio Torino, Gero — este, um pouquinho mais barato.

E no meio do caminho? Em geral, pedras pouco poéticas, com preços que quase equivaliam aos da alta gastronomia e comida que quase equivalia à das ‘cantinas’. Uma ou outra exceção, e fim.

Por isso escrevi tantas vezes que a culinária italiana era mal compreendida no Brasil e que nos faltavam restaurantes ‘intermediários’, onde fosse possível comer boa comida italiana, sem luxos e sem descaso.

Mas errei. E a comprovação do erro veio nos últimos dez dias, quando fiz quatro refeições em quatro restaurantes italianos, de faixa de preço e padrões diversos.

Picchi, Tappo, Zena, Emiliano.

No Picchi, fiquei com o ótimo ravioli de coelho com molho de assado e ervas. Minha mulher aceitou a sugestão do maître, prato fora do cardápio, e pediu o tagliatelle com camarões grelhados — enormes, bem saborosos e no ponto exato. O semifreddo de nozes, além de ser um incomum caso de semifreddo paulistano que é semifreddo mesmo, é muito bom. O cannoli de creme e chocolate altera o tradicional doce siciliano ao excluir a ricota e as frutas, mas traz massa crocante e recheios marcantes.

Sozinho na Tappo, repeti minha entrada favorita — moela e fígado de frango com cebola e uva, flambados na grappa e sobre torrada — e vi que ela continua fabulosa. O fettuccine à carbonara, preparado com pancetta, matou a saudade de anos sem comer esse prato.

No Zena, minha mulher comeu o gnocchi; eu fiquei com o trenette no pesto. Antes, dividimos uma focaccia recheada de figo, presunto de Parma e queijos diversos. O gnocchi, com stracchino, é dos melhores de São Paulo, macio, leve, no ponto, com tomate fresco, manjericão. O pesto do trenette traz no aroma e no sabor a marca forte da comida italiana.

A salada de codorna com um ovinho no centro, do Emiliano, não deixava dúvida a respeito da qualidade de sua cozinha, embora eu preferisse (notaram que se trata de preferência, certo?) a carne um pouco mais úmida. O tartare de vieiras no limão siciliano, pedido de minha mulher, estava ótimo: tudo gostoso, medido e preciso. Meu leitão de leite, maçã verde, alho negro e farofinha veio macio, suculento, delicioso. A cavaquinha com purê de couve-flor era muito bem servida, mas o crustáceo estava irregular: parte no ponto; outra parte além dele. As sobremesas provadas eram interessantes, mas não estavam no nível dos pratos salgados: a degustação de sorbets e sorvetes combinava sabores bem resolvidos com outros nem tanto; o cannolo de chocolate, embora interessante, não empolgou.

Bons serviços, em todos os casos. Informalidade e correção no Zena; atendimento preciso e gentil da Tappo — já falei antes e repito, é o serviço que me faz sentir mais à vontade em São Paulo. Tanto no Picchi quanto no Emiliano, pareceu-me que houve sensível melhora no serviço desde a última visita (quase um ano atrás). Nos dois, o atendimento tendia ao exagero, ao servilismo e à quase bajulação. Agora mais controlados, os serviços são eficazes e não excedem.

O capítulo couvert merece um comentário à parte. O Zena oferece gratuita e gentilmente grissini com azeite. A Tappo cobra honestíssimos cinco reais por pão, azeite e sal, continuamente repostos — caso você, como eu, não consiga parar de comê-los. No Picchi, os 14 reais do couvert são recompensados pelos ótimos pães, grissini e pela focaccia excelente, juntamente com um quarteto de potinhos, que inclui alho assado, sardella, manteiga e molho cru de tomate. Sempre há uma cortesia do chef (para todas as mesas); dessa vez foi um delicado vitello tonnato. O Emiliano serve pães bons e variados, manteiga, azeite, cebola confitada e queijo de cabra. Uma taça de espumante com desnecessário xarope de cranberry é oferecida, como cortesia, e vem acompanhada de carolinas recheadas com pasta de gorgonzola.

Há óbvia diferença de conceito entre os quatro restaurantes.

O Zena valoriza a cozinha rápida, acessível e prática, e seu menu, com sanduíches, focaccie e pratos mais simplificados, exemplifica a ideia. O agradável espaço do restaurante o transforma numa ótima opção para o dia-a-dia, com sua comida simples e direta.

A Tappo revisita clássicos da culinária italiana, executa-os com solidez, consistência e constância e, aqui e ali, propõe novidades. É o que mais se aproxima do conceito italiano de trattoria — onde se come bem, a bom preço, com acolhimento sincero. É, também, um de meus refúgios prediletos.

O tempero agudo dos pratos do Picchi reforça a dupla convicção: poucos restaurantes servem comida tão enfaticamente italiana quanto o Picchi, poucos restaurantes são tão pouco compreendidos na sua proposta quanto o Picchi. Continuo achando que, Fasano à parte, é o melhor italiano da cidade. A inventividade vem junto com a precisão técnica e o respeito à tradição.

Emiliano tem um dos chefs mais talentosos da cidade e seu trabalho associa a base da cozinha italiana com o apreço por novas possibilidades de combinação e valorização de ingredientes. É certamente um dos dez melhores restaurantes da cidade e não cobra rolha, o que sempre atrai. Mas seus preços prosseguem excessivos, atrapalhando a vontade de voltar.

Por falar em preços… Se colocarmos em ordem crescente, temos: Zena, Tappo, Picchi, Emiliano.

Emiliano se inscreve na mesma faixa das caras casas de alta gastronomia e um jantar a dois (couvert, entrada, principal, sobremesa), sem vinho, passa de 300 reais. No Picchi, o mesmo padrão de refeição gira em torno de 220. Na Tappo fica perto de 150 e no Zena, de 110.

Variação grande, claro. Em todos os casos, porém, a refeição valeu a pena.

Mais do que isso, cruzei a porta do último deles que visitei nessa semana com a convicção de que tinha que escrever e publicar no blog esta mea culpa: errei ao dizer que não é possível, sem gastar uma fortuna, comer boa comida italiana em São Paulo. É, sim. Três das casas acima mostraram isso — a quarta, embora boa, é cara.

Claro que haveria outros exemplos. Ocorrem-me imediatamente os nomes da Osteria del Pettirosso, Buttina, Spadaccino ou Così, na faixa de preço da Tappo. Ou o Piselli, equivalente ao Picchi nos valores cobrados.

Claro também que há muitas casas que mimetizam os grandes e sofisticados restaurantes italianos de alta gastronomia, mas não entregam o que cobram. E existem sempre as ‘cantinas’ de que, pessoalmente, tendo a me manter distante, fora um caso ou outro.

Importante é constatar que, incompreensões à parte, há boa comida italiana em São Paulo.

Pelo menos para mim, isso não é óbvio.