Imagine que, numa bela manhã de março, você se prepare para jantar num dos melhores restaurantes de São Paulo e fazer uma degustação que provavelmente será memorável.
Imagine que, às onze em ponto dessa manhã, um amigo —iniciais A.B.— o convide para almoçar no restaurante que serve o melhor almoço executivo da cidade. Você aceita, obviamente.
Imagine que, ao chegar ao restaurante para almoçar com o amigo, você descubra que não comerão o executivo, mas um menu especial de quatro tempos e muitos miúdos.
Imagine, então, que o primeiro prato é nada mais nada menos que fígado de tamboril. Sim, o fígado mais delicioso do mar, preparado com delicadeza, servido com suave consonmé. Diálogo lindo, sabores suaves e definitivos.
Imagine que o segundo prato é uma das mais deliciosas lasanhas que já comeu na vida: recheada com cabeça de porco e acompanhada de pedaço de porco preto.
Imagine.
E não pare mais de imaginar, leitor, até o final do texto, porque chegou à mesa um prato de rim de vitela com feijõezinhos, mostarda e couve. Separadamente são bons; reunidos numa só garfada, é extraordinário.
Como se não bastasse, ainda vem uma ótima sela de cordeiro com purê de batatas e verduras e a torta de chocolate mais saborosa do hemisfério sul, com sorvete artesanal de doce de leite e pitada de flor de sal.
Depois de um almoço desses, é óbvio que a alegria é imensa: imagine a tarde que passei.
E quase não dava para imaginar que ainda faltava o jantar.
Ele começou com abacate tratado e apresentado como foie gras sobre mini arroz e cercado de mini cogumelos: era maxi suave, maxi marcante. Derretia e se espalhava pela boca.
Na sequência, um passeio pelas águas iniciado por vieiras rapidamente tostadas com maçã verde e creme incisivo de limão.
Imagine que em seguida chegou à mesa uma comida que se mexia: lascas de bacalhau com maionese de bacalhau, pupunha e bonito seco. O melhor prato da noite.
Pelo menos até a chegada do prato seguinte: namorado à meunière —meunière de verdade, e as alcaparras vinham na forma de pipocas. Mudei de ideia e cheguei à conclusão de que este, sim, era o melhor da noite.
Um petisco delicioso —torrada com manteiga de anchova— antecedeu o sempre bom camarão com açafrão e tagliatelle de cenoura. E o entrecôte grelhado também estava ótimo, no ponto exato, com manteiga de alecrim, cebolas assadas, cogumelos e dois tubérculos: purê de mandioquinha e chips de inhame.
Uma fatia de grana padano, um sorvete delicioso de lichia e um já clássico da casa: suflê de cupuaçu.
Faço o balanço de tanta imaginação —vivida passo a passo, como ocorre com as boas imaginações— e concluo com facilidade: foi um dia e tanto.
Um dia em que comi a comida de dois dos melhores e mais criativos chefs de São Paulo. Dia em comi em dois dos restaurantes de melhor comida e melhor custo benefício da cidade.
Imagino que nem precise dar nomes.
Mas não custa.
O almoço foi no Epice, de Alberto Landgraf.
O jantar foi no Marcel, de Raphael Despirite.
E acho improvável que eu volte a ter um dia assim. Nem na imaginação.
Epice
Rua Haddock Lobo, 1002, Jardins, SP
tel. 11 3062 0866
Marcel
Rua da Consolação, 3555, Jardins, SP
tel. 11 3064 3089