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Così buono

05/04/2009

 

Um restaurante é mais do que boa comida. Sabemos disso.

Sabemos também que qualquer visita envolve lembranças e pequenos prazeres sensoriais, que não se limitam ao gustativo.

O conforto da cadeira, a altura adequada da mesa (quando se vai com criança, esse é um dado importante), a temperatura ambiente, a delicadeza e beleza dos cristais, da louça, dos talheres. Os quadros e a cor da parede.

Para mim, essencial é também a iluminação. E a música, se houver – idealmente não há. Ou se mantém num volume adequado e é clássica ou jazz. No máximo (e olhe lá!), bossa-nova.

Resolvidas todas as questões, digamos, ambientais, passamos ao serviço. A Luciana Lancelotti já falou que ele responde por 90% do sucesso de uma casa. De fato, é decisivo, embora evidentemente não salve uma péssima comida.

Como tem que ser o serviço? É óbvio, embora muitas vezes esquecido. Tem que ser atencioso, presente e simpático, sem ser invasivo ou ostensivo. Tem que agradar ao cliente, não bajular. Tem que estar bem informado sobre o cardápio.

Mas não precisa completar a taça de vinho após cada gole. Garçom cool? Não, obrigado. “Moderno” e “com atitude”, tampouco. Apenas gentil – e vale lembrar que gentileza nunca é “apenas”. É tudo, e não só nos restaurantes.

Essas coisas têm um preço. Da qualidade das taças ao treinamento da equipe, tudo custa e pode levar a conta final de uma casa às alturas.

E exatamente por acreditar que uma ida a restaurante seja tão complexa, não acho que alguém procure um restaurante incrivelmente caro apenas em busca do prestígio social que ele lhe confere. Claro que há quem faça isso. Muitas vezes, porém, as pessoas estão atrás do que pode parecer um clichê, mas é real – aliás, como vários outros clichês. Vão em busca de uma situação especial, de um bom tratamento. Querem um evento pessoal.

E, lógico, querem comer uma comida que seja reconhecidamente boa – mesmo que não seja capazes de avaliar com seu próprio paladar se é mesmo. Não importa, afinal: se tudo correr bem, sairá de lá feliz. E a alegria, já disse Oswald, é a prova dos nove. O restaurante precisa permitir que o comensal consiga essa alegria.

Pensava nisso enquanto dirigia pela Paulista e, depois, pela Angélica, a caminho do Così.

No final do ano passado, fomos inúmeras vezes ao Famiglia Melilli, casa que antecedeu o Così no endereço e na condução de Renato Carioni.

Tudo por lá era correto e simples: decoração, atendimento. As cadeiras, desconfortáveis. Minha filha desenhava na parede e comíamos a boa comida de Carioni a preços bastante razoáveis.

Como estaria o Così, que abriu na terça passada, agora que havia sido reformado, ganhado mais elegância? A equipe seria a mesma? Carioni nos cumprimentaria da cozinha envidraçada, como fazia na Melilli? E as louças, os cristais, os talheres? Mesas e cadeiras?

Chegamos lá e o garçom, na porta, nos recebeu com o jeito sorridente e educado de sempre. Escolhemos a mesa que quisemos e olhamos a nova decoração. Bonita, sem ser suntuosa. Elegante, sem ser excessiva. Carioni nos deu, de longe, as boas-vindas; minha filha notou imediatamente que as cadeiras eram bem mais confortáveis.

O cardápio, pequeno, dá segurança. Alguns pratos da Melilli, com pequenas alterações e novas criações. O coelho desfiado saiu do menu – uma pena. Mas apareceram outras opções que pareciam bacanas. A polenta do ovo perfeito com foie e cogumelos foi trocada por um creme. Vejamos.

Chegou o couvert, que lembra muito o da Melilli, com pão italiano, sardella (mais forte e puxada na aliche), berinjela e pimentão em conserva, presunto defumado. Enquanto minha filha atacava e dava cabo do presunto em poucos minutos, provamos o pimentão (sem pele!) e adoramos.

O valor do couvert (7 reais por pessoa – não cobram por criança) é honesto – e os garçons se incumbem de repô-lo. Graças a isso, minha mulher e eu experimentamos o presunto, cujo defumado não se impõe e é cortado na espessura exata. Ótimo.

Pedimos dois pratos da lista dos “primi” (maior do que a dos principais). Uma lasanha de pato com cogumelos e o risoto de presunto defumado com grão-de-bico, acompanhado de foie (há a opção de comê-lo sem o foie e, nesse caso, seu preço é excelente: 22 reais).

A lasanha vinha carregada de pato, saboroso, macio e intenso. O molho, talvez excessivo na quantidade, era forte e seu sabor se impunha. As lâminas de massa, muito finas, ficavam encobertas e amolecidas demais (talvez pelo molho). O resultado final era bom, sobretudo pelo pato, mas talvez merecesse um pequeno ajuste para atenuar o impacto do molho, dar mais espaço para a massa – e deixar as partes dialogarem melhor.

O risoto estava ótimo. Ótimo. O grão-de-bico e o presunto combinavam maravilhosamente. Como todo risoto que leva grãos, denso, granudo, pesado (no bom sentido). Estava, evidentemente, no ponto exato: garantia a integração do arroz ao conjunto, mas também permitia que o mastigássemos e sentíssemos seu sabor específico. O foie, embora pequeno, mostrou seu sabor e sua delicadeza.

Para a sobremesa, minha filha preferiu o Tiramisù de frutas vermelhas, mais leve e um pouco mais alcoólico do que a versão preparada na Melilli. Bom. Minha mulher ficou com o abacaxi à la piña colada, com sorvete de coco. Bom também. Eu escolhi cheesecake de doce de leite. Muito bem preparado e não muito doce (ou: o quanto um doce de leite consegue não ser muito doce).

Durante toda a refeição, a mesma atenção dos garçons que recebíamos nos meses de Melilli. Deram, inclusive, explicações precisas sobre o preparo dos doces.

Não tomei vinho porque estava dirigindo; então, ficamos apenas com água. Fechei com um expresso curto bem tirado e o preço chegou a 144.

Não tão barato quanto a Melilli, onde uma refeição equivalente ficaria por uns vinte ou trinta reais a menos. Mas certamente muito mais barato do que pagaríamos por um jantar desse nível em qualquer outro restaurante paulistano que ofereça uma comida equivalente à de Carioni.

Um restaurante é bem mais do que comida. E o Così mostrou, com poucos dias de funcionamento, que sabe disso. A experiência da Melilli certamente ajudou a começar bem e, aparentemente, sem atropelos. E a conseguir manter um custo final para o cliente que, considerado todo o entorno, ainda é bastante bom.

Così

Rua Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília, SP

tel.  11  3826 5088

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Degustação

09/12/2008

Depois de tanta expectativa, saímos um pouco decepcionados da degustação no Famiglia Melilli.

Claro que a comida tinha o bom nível de tudo que Renato Carioni prepara.

Mas a seqüência nos pareceu um tanto desequilibrada e pesada.

Começou com um bem pensado atum recheado com foie, acompanhado de uma saladinha de alho porró. Ótima, a saladinha. Mas o foie ganhava fácil do atum e abafafa seu sabor, impedindo o diálogo.

Seguiu com uma batata assada com lula e pesto. Bom. A lula, porém, carecia de expressão.

Após as entradas, chegaram os primi piatti.

Il primo primo era Trofie di mare. A massa genovesa passou ligeiramente do ponto. O camarão era saboroso, mas o molho de açafrão se sobrepunha aos parceiros.

Risoto de abóbora com cebolinha, ovo perfeito e lombo defumado era il secondo primo. Bom, mas pesado.

Massa, depois risoto: a seqüência mostrava as garras.

E elas se fincaram quando chegou o secondo: costela (cozida por 22 horas) sobre polenta trufada. Também bom, mas… polenta, depois de risoto, depois de massa? Não agüentamos chegar ao fim.

Claro que abrimos uma exceção para o melhor da noite: o tiramisù de frutas vermelhas. Delicioso.

Também o preço nos decepcionou (quem mandou não perguntar antes?). Os 96 reais por pessoa equivalem ao preço de outras degustações e contrariam o ótimo custo-benefício do restante do cardápio.

Valeu a pena? Claro que valeu. O preço é justo e a comida é boa.

Esperávamos mais? Sim. Mas isso é por nossa conta, ora! A honestidade e a qualidade do restaurante continuam no alto.

 

* Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Famiglia Melilli

O exemplo da Melilli

22/11/2008

É fácil comer bem em São Paulo – isso todo mundo sabe.

Temos uns quatro ou cinco chefs de primeiríssima, outro tanto de chefs muitos bons e uma nova geração promissora.

Difícil – e isso também todo mundo sabe – é comer bem e pagar pouco.

Aí está nosso drama. E daí a alegria quando aparece um restaurante como o Famiglia Melilli.

Lá está um dos novos e bons chefs, Renato Carioni, que saiu do Cantaloup, comprou essa antiga cantina e vai fechá-la em breve.

Porque depois da ceia de Natal, começa uma reforma que só termina em fevereiro, quando a casa reabre com outro nome na fachada: Così.

Enquanto o Natal não chega, Carioni oferece um menu relativamente pequeno, mas variado, preparado com a atenção de quem conhece a alta gastronomia.

E cobra preços de cantina – para superar o drama de quem adora comer bem, mas é assalariado.

Resta aproveitar. E tenho aproveitado. Em novembro, jantei pelo menos uma vez por semana lá, e pretendo ir muito mais vezes.

O couvert é simples: a sardela é agradável, sem acidez ou picante excessivo, mas a berinjela em conserva é apenas correta – sem maiores adjetivos.

Vale mais a pena dispensá-lo e privilegiar as entradas, que são interessantes. O salmão com abacate, puxado no limão, é agradável e bem concebido. A lasanha de berinjela neutraliza a acidez do ingrediente e compõe bem com queijo derretido.

Meu favorito, porém, é o ovo perfeito com polenta, mix de cogumelos e fígado gordo de pato. Fegato grasso, porque é restaurante italiano – e não foie gras, como chamaria um francês.

E aí vale lembrar: não há discurso ecológico ou nacionalista que consiga tirar o prazer de comer um foie bem preparado, apenas selado.

É uma maldade com o pato? É. Mas não maior à que impõem aos frangos, para acelerar seu crescimento. E bem inferior ao estrago que a plantação extensiva da soja – idolatrada pelos naturebas – faz em escala global.

E não: ora-pro-nóbis não é melhor que foie. Nem pequi ou cambuci. Muito menos mocotó com fava.

Desnecessário dizer: começo com o fígado todas as vezes que vou lá. E o preço é quase inacreditável: 28 reais.

Nos pratos (primi ou secondi), muitos acertos. A paleta de cordeiro com feijão branco e cenoura traz carne macia e saborosa e feijão mais duro do que o normal – por isso, melhor.

O risoto de abóbora com queijo taleggio derretido é um pouco mais pesado do que deveria – mas com o queijo lombardo na jogada, isso pode ser inevitável.

Já o salmão com risoto de verduras e calda de legumes não traz verduras, mas legumes. Ok, tecnicamente legume é verdura, mas quem pede um prato com esse nome espera… verduras: coisas verdes, em geral em folhas. O risoto vem (claro) no ponto preciso. Só que a calda de laranja é um tanto inexpressiva. Um pouco mais de acidez e amargor cairia bem e ajudaria a contrastar.

O nhoque de cará recheado de cordeiro se parece com um ravioloni e é ótimo.

O polpetone surpreende pela leveza: friti, friti, como diria Roberto Benigni, e obviamente recheado, mas suave. Uma delícia.

Como delicioso é o coelho desfiado com polenta cremosa (que leva queijo). O bichinho de pelagem macia vem com a carne muito macia e sabor intenso.

Para acompanhar, a carta de vinho é quase inacreditável. O sobrepreço se limita, no caso de alguns rótulos argentinos básicos, a apenas 4 reais em relação ao praticado pela importadora no varejo. No geral, é a mais honesta e menos lucrativa que já vi na vida (exceção, claro, aos restaurantes ligados a importadoras).

Então, tudo é perfeito? Infelizmente, não.

As sobremesas – fora o bom, correto e úmido tiramisù – são fracas. O sabor da mousse de banana com sorvete é encoberto pela forte e excessiva calda de maracujá. O salame de chocolate e amêndoa é uma boa idéia, atrapalhada pelo péssimo sorvete de creme que a acompanha. Os sorvetes, industrializados, não são da casa e a prejudicam.

E em todas as visitas houve deslizes. Numa delas, a berinjela do couvert parecia um pouco azeda. Avisamos o garçom, que a levou ao chef. Ele a provou e gentilmente veio à mesa para esclarecer que se tratava do gosto forte da alcaparra usada na redução. Trocou a porção e a nova não tinha o sabor desagradável da primeira.

Em outra visita, o ovo perfeito com polenta trouxe de brinde um pequeno pedaço de plástico. Notificamos o garçom, que disse que ia verificar e não deu retorno.

O coelho também trouxe surpresas: pequenos pedaços de osso escaparam do olho de quem o desfiou e ameaçaram o prato – e o cliente.

Também o ovo perfeito, em outra ocasião, passou do ponto. A gema começou a coagular, perdendo parte do delicioso efeito que seu derramamento sobre a polenta provoca.

E o salame de chocolate com amêndoa careceu de frescor. O desagradável “gosto de geladeira” denunciava que já havia ultrapassado o momento ideal ou que a conservação tinha problemas.

Os erros desmerecem o restaurante? Lógico que não. Os acertos ganham de goleada e compensam qualquer ida. Tanto que continuarei a freqüentar a casa no mesmo ritmo. Da próxima vez, provarei o menu-degustação que, segundo o garçom, pode ser servido, embora não conste do cardápio.

Porque o Famiglia Melilli tem muito a mostrar – além, claro, do reconhecido talento de Renato Carioni, que comanda a cozinha, e também cozinha.

O Famiglia Melilli mostra que é viável servir ótima comida a custo muito baixo: os pratos estão todos na faixa de 20 ou 30 reais.

Mostra que, se você estiver disposto a abrir mão do luxo nas louças, nos cristais, no ambiente e na decoração, pode comer muito bem e barato.

Resta que o exemplo seja seguido. Pelo próprio Così, inclusive, que poderia manter o padrão de seu breve antecessor.

Famiglia Melilli

Rua Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília, SP

tel. (11) 3826 5088

Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Famiglia Melilli

Breves & Boas

10/11/2008

*

O hamburger de costelinha de porco, novidade no The Fifties, é um achado. Saboroso, macio, com crosta crocante. As batatas fritas que o acompanharam estavam à altura. Só que é caro. É bom, mas continua sendo lanche.

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A Famiglia Melilli, ai, a Famiglia Melilli. Mas o comentário sobre a casa provisória de Renato Carioni, pós-Cantaloup e pré-Così, não pode ser breve. Só fui uma vez lá e prefiro esperar mais algumas visitas antes de escrever sobre a comida de primeira a preços maravilhosos. Entre essa semana e a próxima, irei mais três ou quatro vezes e escrevo. Afinal, alguém sabe onde se pode comer ovo perfeito com polenta, cogumelos e foie selado por 20 e poucos reais?

*

Nova visita ao Sal. E Henrique Fogaça não estava na cozinha. Isso não é uma crítica. Seria se a qualidade declinasse. Mas não cai. E o Sal mostra, mais uma vez, sua regularidade. Uma equipe afiada, que sabe executar com precisão sem a presença do chef. Toda comida tem um antes: esse antes é a montagem da brigada, e isso também caracteriza o bom chef. Só queria que os chips de alho-porró voltassem ao couvert.