Um restaurante é mais do que boa comida. Sabemos disso.
Sabemos também que qualquer visita envolve lembranças e pequenos prazeres sensoriais, que não se limitam ao gustativo.
O conforto da cadeira, a altura adequada da mesa (quando se vai com criança, esse é um dado importante), a temperatura ambiente, a delicadeza e beleza dos cristais, da louça, dos talheres. Os quadros e a cor da parede.
Para mim, essencial é também a iluminação. E a música, se houver – idealmente não há. Ou se mantém num volume adequado e é clássica ou jazz. No máximo (e olhe lá!), bossa-nova.
Resolvidas todas as questões, digamos, ambientais, passamos ao serviço. A Luciana Lancelotti já falou que ele responde por 90% do sucesso de uma casa. De fato, é decisivo, embora evidentemente não salve uma péssima comida.
Como tem que ser o serviço? É óbvio, embora muitas vezes esquecido. Tem que ser atencioso, presente e simpático, sem ser invasivo ou ostensivo. Tem que agradar ao cliente, não bajular. Tem que estar bem informado sobre o cardápio.
Mas não precisa completar a taça de vinho após cada gole. Garçom cool? Não, obrigado. “Moderno” e “com atitude”, tampouco. Apenas gentil – e vale lembrar que gentileza nunca é “apenas”. É tudo, e não só nos restaurantes.
Essas coisas têm um preço. Da qualidade das taças ao treinamento da equipe, tudo custa e pode levar a conta final de uma casa às alturas.
E exatamente por acreditar que uma ida a restaurante seja tão complexa, não acho que alguém procure um restaurante incrivelmente caro apenas em busca do prestígio social que ele lhe confere. Claro que há quem faça isso. Muitas vezes, porém, as pessoas estão atrás do que pode parecer um clichê, mas é real – aliás, como vários outros clichês. Vão em busca de uma situação especial, de um bom tratamento. Querem um evento pessoal.
E, lógico, querem comer uma comida que seja reconhecidamente boa – mesmo que não seja capazes de avaliar com seu próprio paladar se é mesmo. Não importa, afinal: se tudo correr bem, sairá de lá feliz. E a alegria, já disse Oswald, é a prova dos nove. O restaurante precisa permitir que o comensal consiga essa alegria.
Pensava nisso enquanto dirigia pela Paulista e, depois, pela Angélica, a caminho do Così.
No final do ano passado, fomos inúmeras vezes ao Famiglia Melilli, casa que antecedeu o Così no endereço e na condução de Renato Carioni.
Tudo por lá era correto e simples: decoração, atendimento. As cadeiras, desconfortáveis. Minha filha desenhava na parede e comíamos a boa comida de Carioni a preços bastante razoáveis.
Como estaria o Così, que abriu na terça passada, agora que havia sido reformado, ganhado mais elegância? A equipe seria a mesma? Carioni nos cumprimentaria da cozinha envidraçada, como fazia na Melilli? E as louças, os cristais, os talheres? Mesas e cadeiras?
Chegamos lá e o garçom, na porta, nos recebeu com o jeito sorridente e educado de sempre. Escolhemos a mesa que quisemos e olhamos a nova decoração. Bonita, sem ser suntuosa. Elegante, sem ser excessiva. Carioni nos deu, de longe, as boas-vindas; minha filha notou imediatamente que as cadeiras eram bem mais confortáveis.
O cardápio, pequeno, dá segurança. Alguns pratos da Melilli, com pequenas alterações e novas criações. O coelho desfiado saiu do menu – uma pena. Mas apareceram outras opções que pareciam bacanas. A polenta do ovo perfeito com foie e cogumelos foi trocada por um creme. Vejamos.
Chegou o couvert, que lembra muito o da Melilli, com pão italiano, sardella (mais forte e puxada na aliche), berinjela e pimentão em conserva, presunto defumado. Enquanto minha filha atacava e dava cabo do presunto em poucos minutos, provamos o pimentão (sem pele!) e adoramos.
O valor do couvert (7 reais por pessoa – não cobram por criança) é honesto – e os garçons se incumbem de repô-lo. Graças a isso, minha mulher e eu experimentamos o presunto, cujo defumado não se impõe e é cortado na espessura exata. Ótimo.
Pedimos dois pratos da lista dos “primi” (maior do que a dos principais). Uma lasanha de pato com cogumelos e o risoto de presunto defumado com grão-de-bico, acompanhado de foie (há a opção de comê-lo sem o foie e, nesse caso, seu preço é excelente: 22 reais).
A lasanha vinha carregada de pato, saboroso, macio e intenso. O molho, talvez excessivo na quantidade, era forte e seu sabor se impunha. As lâminas de massa, muito finas, ficavam encobertas e amolecidas demais (talvez pelo molho). O resultado final era bom, sobretudo pelo pato, mas talvez merecesse um pequeno ajuste para atenuar o impacto do molho, dar mais espaço para a massa – e deixar as partes dialogarem melhor.
O risoto estava ótimo. Ótimo. O grão-de-bico e o presunto combinavam maravilhosamente. Como todo risoto que leva grãos, denso, granudo, pesado (no bom sentido). Estava, evidentemente, no ponto exato: garantia a integração do arroz ao conjunto, mas também permitia que o mastigássemos e sentíssemos seu sabor específico. O foie, embora pequeno, mostrou seu sabor e sua delicadeza.
Para a sobremesa, minha filha preferiu o Tiramisù de frutas vermelhas, mais leve e um pouco mais alcoólico do que a versão preparada na Melilli. Bom. Minha mulher ficou com o abacaxi à la piña colada, com sorvete de coco. Bom também. Eu escolhi cheesecake de doce de leite. Muito bem preparado e não muito doce (ou: o quanto um doce de leite consegue não ser muito doce).
Durante toda a refeição, a mesma atenção dos garçons que recebíamos nos meses de Melilli. Deram, inclusive, explicações precisas sobre o preparo dos doces.
Não tomei vinho porque estava dirigindo; então, ficamos apenas com água. Fechei com um expresso curto bem tirado e o preço chegou a 144.
Não tão barato quanto a Melilli, onde uma refeição equivalente ficaria por uns vinte ou trinta reais a menos. Mas certamente muito mais barato do que pagaríamos por um jantar desse nível em qualquer outro restaurante paulistano que ofereça uma comida equivalente à de Carioni.
Um restaurante é bem mais do que comida. E o Così mostrou, com poucos dias de funcionamento, que sabe disso. A experiência da Melilli certamente ajudou a começar bem e, aparentemente, sem atropelos. E a conseguir manter um custo final para o cliente que, considerado todo o entorno, ainda é bastante bom.
Così
Rua Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília, SP
tel. 11 3826 5088