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O cozinheiro de Catânia

30/03/2010

 

Estávamos prestes a embarcar para a Sicília no final de 2009, quando chegou pelo twitter uma sugestão de Raphael Despirite, chef do Marcel: que não deixássemos de conhecer Il Cuciniere, restaurante do hotel Katane Palace.

Dois dias depois de chegarmos a Catânia, era aniversário de minha mulher. Onde comemorar? Ora…

Cruzamos a pé o centro velho da cidade e lá estavam hotel e restaurante. Salão simples, sem excessos, serviço destituído de qualquer afetação. No cardápio, além dos pratos habituais, um menu degustação “para divertir o cozinheiro”. Achamos que também nos divertiríamos e pedimos a versão completa para nós e a reduzida para nossa filha.

O couvert tinha apenas o necessário: pães crocantes com azeite e manteiga.

Minha mulher e eu abrimos o jantar com um tartare de Saint Peter com camarão. Saborosos, fresquíssimos e delicados, era temperado com uma “essência de flor seca e moída”. Sei lá que flor era; sei que intensificava o frescor do prato e dava um ligeiro e agradável picante.

Para minha filha, a entrada foi o atum cru, envolvido num rolinho de finíssimo peixe-espada, rúcula, romã e molho de tangerina. Novamente o tom era dado pela valorização dos sabores dos ingredientes, sem anteparos ou mascaramentos.

Enquanto minha filha se divertia com as intermináveis romãs, chegou nosso segundo prato, uma variação do primeiro dela: carpaccio de espada ligeiramente defumado, marinado em gengibre, romã e tangerina, acompanhado de rúcula. Peixe delicioso, marcado pela sutileza. E a experiência de mastigar simultaneamente a romã, a tangerina e a rúcula, misturando texturas e sabores.

Nossa terceira rodada tinha mousse de bacalhau e tupinambo, acompanhada de couve — romã e tangerina, também presentes, reforçavam a unidade visual entre os pratos e mantinham a toada de frescor e intensidade de sabores. Simultaneamente, a segunda rodada de minha filha trouxe um cherne, suculento e servido no ponto, com batata e espinafre.

Na sequência, zuppa di mandorle e vongoli al basilico. Cosa dire? Além do óbvio apelo à tradição (tudo estava ali: amêndoa, vôngole e manjericão), a delicadeza de uma cozinha que serve sopa cremosa no quarto giro e sabe que ela só aliviará a refeição.

O terceiro prato de minha filha, quinto nosso, era idêntico: fagotini di calamari al nero di seppia com salsinha e pequenos (e intensos) camarões. Foi o mais picante dos pratos, mas não exagerava. Tanto que nem chegou a incomodar nem o paladar mais resistente a temperos de minha filha. Massa deliciosa, lula deliciosa, nero di seppia delicioso…

O fechamento para nós três veio com uma incrível rana pescatrice com alcachofra e purê de alecrim. Meio sem fala, murmurei agradecimentos ao chef. E ao mar da Sicília.

Mas faltavam as sobremesas.

A tortinha de chocolate com recheio derretido e calda fina de ceratonia era delicada, marcada pelo contraste agradável entre a fluidez da calda e a cremosidade do chocolate. A pêra caramelada com pistache, panna e raspas de tangerina reunia acidez com frescor e mantinha os cinco sabores em harmonia.

Minha filha tomou um sorvete de pistache que parecia sair direto da casca, tal a força do gosto do grão.

Fechamos com duas taças (para cada um, claro) do moscato di pantelleria Mueggen de Salvatore Murana, que tinha gosto de pêssego, pêssego e… pêssego.

Na rua, caminhando de volta ao nosso hotel, agradecíamos a indicação ao Raphael Despirite e ainda sentíamos o gosto do moscato, o sabor de mar dos peixes, o prazer de uma refeição bem feita.

Vivíamos, principalmente, um daqueles momentos breves, raros e tão intensos em que, junto com a alegria de estar na Sicília — e em plena comemoração de aniversário —, pressentimos a razão de tudo.


Il Cuciniere — Katane Palace

Via Finocchiaro Aprile, 110, Catânia, Itália


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