Ontem fiz uma boa degustação.
Mas não se preocupe, leitor: não vou desfiar aqui a lista do que foi servido. Vou, na verdade, seguir o exato caminho oposto: falar do cansaço, algum cansaço, que cada vez mais sinto diante das degustações.
Impressão subjetiva, claro. Só que creio não ser o único a senti-la.
A verdade é que a maioria das degustações parece girar em torno de si mesma. Elas representam a técnica do chef e de sua equipe, o rigor na seleção dos ingredientes, a inventividade.
Representam.
E representação, sabemos, pode ser entendida de duas formas, que, no fundo, convergem para a mesma ideia.
Representação é encenação, como sabem todos aqueles que vão ao teatro.
Representação é tornar presente algo que está ausente. Uma pessoa, que não pôde ir a determinada cerimônia e mandou alguém no seu lugar. Um passado, que se tornou inacessível.
Ao representar nesses dois sentidos o mundo da gastronomia, as degustações expõem como ele foi se tornando cada vez mais autorreferente, como construiu seus rituais internos e hoje talvez tenha dificuldade de ultrapassá-los.
Em resumo: um mundo que principalmente se auto-representa; um mundo que, a cada prato, pretende falar de si.
É um problema? Talvez ainda não seja. Enquanto a gastronomia estiver na moda, tudo seguirá bem para restaurateurs, comensais, especialistas e para aquela grande nebulosa gastrogroupie que migra de degustação em degustação, que flana de evento em evento.
Uma hora, porém, acaba. Porque é muito bonito, mas limitado.
Essa, a impressão —repito, subjetiva— que as degustações têm me deixado.
Lógico que, quando uma degustação é sensacional, as incertezas se afastam. Mas quantas de fato o são?
Repasso os últimos dois ou três anos e me lembro de quatro: duas feitas no RS, de Roberta Sudbrack; uma no Clandestino, de Bel Coelho; outra na Brasserie, de Erick Jacquin, antes da mudança. É pouco.
A de ontem, no D.O.M., foi boa, repito. Um dos pratos —na verdade, um shot, como explicou o maître em bom português— foi extraordinário: ostra, cupuaçu, manga e um tiquinho de whisky. Os outros eram agradáveis, bem concebidos e executados, capazes de representar de forma sintética certos movimentos e esforços da gastronomia dos últimos tempos.
Gostei do que comi e acho que entendi tudo, ou quase tudo, que ali estava em cena.
Mesmo assim voltei para casa com a impressão de que as degustações estão chegando a seu limite.
Talvez já tenham cumprido a contento —e quiçá com certo glamour, como sonham alguns— seu papel.
ps. Meus dois blogs favoritos publicaram, recentemente, textos em que tratam mais ou menos do mesmo assunto. Deixo aqui os links: Um litro de letras e Pra quem quiser me visitar.