Hesitei muito, muito mesmo, antes de escrever sobre La Mar Cebichería. Não por gostar ou não do lugar, mas por minha pura e simples ignorância: tenho dificuldade para entender a comida peruana, foco da casa.
Sei que há uma vasta e consolidada tradição brasileira de falar sobre tudo e especialmente sobre aquilo de que não se entende e eu mesmo a pratico de vez em quando. Mas a leviandade de alguns comentários —e, nesse mundo das comidas, é uma festa— me incomoda cada vez mais.
Na verdade, escrevo cada vez menos para o blog porque me desconforta comentar algum prato ou restaurante com uma ou duas visitas apenas. E minhas refeições em restaurantes são financiadas por meu salário de assalariado —ganho, diga-se de passagem, com bastante custo—, logo…
Por motivos mais ou menos óbvios —tradições consolidadas, hábitos alimentares, etc.—, é muito mais fácil decifrar a dinâmica de um jantar francês ou italiano. Quando ceviches e causas chegam à mesa, no entanto, que repertório acionar para compreender a —lamento se acharem que teorizo, mas a palavra é exatamente esta:— semântica daquela cozinha, seus significados, seus sentidos, as interpretações possíveis de um sistema que só conheço desde muito longe?
Porque não importa que a comida peruana esteja na moda pelo mundo afora e que o próprio La Mar tenha filiais em meia dúzia de países ou cidades: interpretar sua comida à luz de paladares treinados por outras comidas é reducionismo, é banalização.
Daí tanta hesitação. Finalmente, porém, venci o pudor e resolvi escrever. Não analisarei, nem avaliarei. Apenas constatarei. Serei superficial e provavelmente banal. Não importa.
A casa é séria, seu trabalho é interessante. O serviço, de uma gentileza e de um didatismo impressionantes, sem incorrer no insuportável exagero de algumas casas com sua prática de declamar cardápios e, vez ou outra, receitas. Não, a garçonete de forte sotaque peruano que nos atendeu na última visita explicou com cuidado o que desconhecíamos, preocupou-se com nossas escolhas, recomendou corretamente.
Num sábado à noite, com o agradável salão lotado, pedimos uma “barca de causas” e uma degustação de ceviches.
As causas são purês de batata, em versões pequenas, com pimentas, recheios e coberturas. Das cinco provadas, a melhor era a “antigua”: peixe empanado, cebola, aji amarelo, dedo de moça, coentro, molho tártaro.
Dos quatro ceviches que compunham a degustação, preferimos o “clássico”, preparado com peixe, cebola roxa, dedo de moça e coentro e imerso no indefectível leite de tigre. O “nikei” —cubos de atum em molho adocicado— também agradou bastante.
De sobremesa, os picarones (rodelas de massa frita com melado e especiarias) estavam bons e a “crema volteada” —com maçãs assadas e chantilly de capim limão—, deliciosa.
Como interpretar, não sei. Mas comemos bem e nos divertimos durante a refeição, imaginando a sintonia fina que tem que ser empregada na combinação e na gradação do uso das pimentas, no recurso a um ou outro pescado, nas combinações só aparentemente fáceis dos diversos ingredientes.
Talvez por isso, dessa vez, ultrapassei a hesitação e decidi escrever sobre o La Mar. Porque, no fim das contas, é importante compreender a semântica de uma cozinha —e, de forma mais geral e muito mais importante, do mundo que nos cerca—, mas a verdade profunda de um jantar é simplesmente comer bem.
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