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Comida de bar

28/04/2010

 

Duas ou três vezes passamos na porta, olhamos a tabuleta com o menu-degustação do dia e cogitamos entrar. Desistimos. Só que os cardápios eram sempre interessantes e, sabíamos, uma hora não resistiríamos.

E aconteceu justo no 6 de janeiro, dia da Befana. Durante o dia, passeamos sob a chuva de Napoli, assistimos à missa festiva, conduzida pelo Cardeal Sepe, na Catedral de San Genaro e almoçamos uma pizza ali perto, no antiquíssimo Da Michele, dica de um valoroso amigo.

À noite saímos do hotel decididos: o jantar seria em La Stanza del Gusto. Chegamos, nem olhamos a tabuleta, entramos e sentamos. Ato contínuo, pedimos um Barolo Serralunga d’Alba Fontanafredda e demos os primeiros goles. Então abrimos o cardápio: opções bem interessantes, mas… onde estava o menu-degustação do dia? No andar de cima, respondeu o garçom. E assim soubemos que estávamos no bar, não no restaurante.

Mudar ou não, era a questão. Uma escada nos separava dos menus que nos atraíam há dias. Mas isso significava abrir mão das opções que estavam ali, ao alcance da mesma mão, no cardápio do bar.

Ficamos no térreo e pedimos lingüiça de bacalhau, bacalhau frito e salada de coelho. A princípio, o coelho era para minha filha e o bacalhau frito para minha mulher. Mas agora estávamos em clima de bar: cabia compartilhar tudo (o que, de resto, também fazemos em restaurantes, mas esta é outra história).

Assim a noite correu, leve e grata. Com uma lingüiça que trazia, junto com o peixe, escarola, pinoli e passas, e resultava numa combinação delicada e forte de sabores. Com uma salada que trazia bastante azeitona, sem que isso abafasse o gosto destacado do coelho. Com uma espécie de tempurá (era este o nome, inclusive) em que o bacalhau vinha acompanhado de pimentão confitado.

Tudo delicioso. E ficou ainda mais com as sobremesas: torta de chocolate e amêndoa com creme de laranja, cremolata de melão fresco, torta de pistache, chocolate e creme acompanhada de laranjinhas confitadas e geleia. Duas tacinhas de Moscato di Pantelleria completaram gloriosamente nosso jantar de bar.

Quatro meses se passaram desta noite até hoje. Alguns dias depois saímos de Napoli, andamos por outras plagas, retornamos a São Paulo para seguir a vida, agora sem mistificação. Nunca mais fomos a um bar. Mas ando louco para ir e comer de novo algum desses pratos.

La Stanza del Gusto

Via Costantinopoli 100, Napoli

http://www.lastanzadelgusto.com


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Sob o olhar de San Gennaro

21/02/2010

 

O nome do chef não poderia ser mais simbólico: Gennaro del Vino.

Gennaro, santo protetor de Napoli.

Vino, santo de toda parte.

Gennaro del Vino é chef da Cantina del Sole, no centro histórico da mais caótica cidade que já visitei.

Fomos lá duas vezes. Na primeira, optamos pelos menus-degustação de terra e de mar: saladinha verde, entrada, prato principal & sobremesa.

Minha filha e minha mulher preferiram o mar de Napoli; eu me mantive aterrado ao solo vizinho do Vesúvio.

O menu de mar iniciava com pasta ai frutti di mare, com uma quantidade incrível de vongoli fresquíssimos. Arrebatador.

Prosseguia com uma dorata grigliata simples, boa, precisa: mar sólido deslizando pela boca.

Meu menu da terra abria com um gnocchiete de abóbora e provola: daquelas massas que, haja o que houver, você não esquece.

E o prato principal, ah, o principal, era composto de uma lingüiça rústica, caseira, acompanhada de mil-folhas de berinjela e molho de tomate ácido no início,  adocicado ao final. Tomate a ser celebrado em prosa e verso. Lingüiça fabulosa, paradoxalmente carnuda e delicada.

Os doces foram torta caprese com chocolate amargo e amêndoas e pannacotta com frutas vermelhas. Boas? Não, ótimas. A delicadeza da pannacotta devia ser ensinada via satélite a todos que a servem mundo afora.

Nesse dia, tomamos um Irpinia Aglianico de Vila Raiano 2003 que fez bonito sem inflar a conta. Na sobremesa, Donnafugata Moscato di Pantelleria Kabir, que era pêssego, pêssego e pêssego.

Claro que voltamos, dias depois, quando tínhamos que nos despedir de Napoli.

Dessa vez, fomos pelo cardápio, mas mantivemos o vinho, só variando o produtor: Irpinia Aglianico Tauri 2006, de Antonio Caggiano. Não empolgou como o anterior, mas não fez feio.

Comemos um pouco de tudo.

De entrada, um delicioso robalo defumado com finnochieto. Depois, repetimos a incrível pasta con frutti di mare.

Pedi uma vitela na grelha, perfeita, que tinha a simplicidade a que só se arrisca o chef que tem consciência da qualidade de seus ingredientes.

Mas o astro da noite foi o linguini ao Vesúvio, com camarões, vongoli, pinoli, abobrinha e passas. Decisivo.

Fechamos com uma quase overdose de pannacotta com frutas vermelhas, acompanhada de moscato di Pantelleria da Vinícola Miceli-Tanit.

Napoli pode até ser um caos ininterrupto. Mas, sob a proteção de San Gennaro e com a cozinha de Gennaro del Vino, bem que vale a pena.

Cantina del Sole

Via Giovanni Paladino 3, Napoli