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Vida e obra de um quase anônimo – parte II

20/12/2010

 

Durante anos me dediquei a um determinado trabalho. Quantos? Não sei, acho que uns dez, talvez doze ou quinze, talvez a vida inteira.

Claro que não cuidava dele todo dia. Ia e voltava, esquecia por meses, por um ano e pouco. Depois retornava, mais amadurecido (ah, ilusão…).

Acabei esse trabalho por volta de maio deste ano. Mas não bastava acabá-lo; ele precisaria ainda ser colocado à prova, e esta só ocorreria na metade de dezembro.

Meses de alguma expectativa e de pelo menos uma dúvida séria: faria uma festa para comemorar o sucesso que, pretensioso, esperava que ele tivesse?

Bicho parcialmente do mato, sou avesso a festas. Prefiro as comemorações miúdas, com pouca gente e olho no olho.

Planejei, então, e sempre com a arrogância de quem supõe que tudo vá dar certo, uma celebração íntima. Comprei meu vinho favorito de todos os tempos, guardei cuidadosamente a garrafa e fiquei a matutar onde jantaria, com mulher e filha, na noite de 15 de dezembro, dia em que tudo se resolveria.

Ao saber de meus planos, minha mulher perdeu a paciência. Lembrou que, em quatorze anos de convivência, só fiz uma festa, que foi de aniversário e há mais de doze anos. Que não fazia qualquer sentido, era até injusto, que tanta gente importante para que meu trabalho desse certo fosse excluída da comemoração.

Capitulei. Mas impus condições: não queria me preocupar com nada, sobretudo não queria cuidar da arrumação de nosso apartamento no dia seguinte. Queria que a festa fosse fora de casa, que pudéssemos chegar, comer e beber bem, conversar com a família e os amigos, ir embora, dormir e acordar sem afazeres.

Os termos do acordo de paz foram selados e resolvemos procurar um restaurante que fizesse eventos. Mas havia um problema: alguns conhecem meu nome, outros talvez o conheçam — o nome de batismo mesmo, o que está na estropiada certidão de nascimento mencionada no texto inicial desta saga.

Era necessária, então, uma estratégia: eu escreveria aos restaurantes nos casos em que tivesse certeza, ou quase, de que não seria reconhecido; ela entraria em contato com aqueles em que certa ou provavelmente sabiam de meu nome.

Ocorre que minha mulher tem incríveis qualidades, muitas mesmo, mas lhe falta o gosto pelo uso do computador. Brinco que ela verifica suas mensagens eletrônicas, sem falta, a cada dois meses… Cabia, então, a mim acompanhar o andamento das conversas virtuais e, vez ou outra, estimulá-la a ligar o computador e olhar a caixa postal.

Ultrapassado um percalço ou outro — e descartados os três ou quatro ‘organizadores de eventos’ que nunca nos honraram com suas respostas —, acumulamos cinco orçamentos. E lhes confesso, meus caros: fiquei estarrecido.

O mais baixo pedia mais de oitenta reais por pessoa e se dispunha a oferecer alguns petiscos de entrada e uma massa. Just it, como diz a marca de tênis. Continha ainda um alerta, que tomei por ameaça: se o evento ultrapassasse tantas horas de duração (quatro ou cinco, não lembro), haveria um acréscimo de 20 ou 30% no preço.

Minha mulher e eu nos entreolhamos e foi a vez dela concordar comigo: a comemoração seria mínima, restrita, no meu padrão usual.

Não entro no mérito dos custos, nem avalio o adicional de tempo. Imagino a dificuldade de pagamento de funcionários, espaço, de tudo. Acredito que os orçamentos fossem justos e honestos. Mas eu simplesmente não podia pagar o que me pediam. Ponto final.

Quer dizer, ponto e vírgula. Porque lembrei de um restaurante a que vou com menos frequência do que gostaria, que já comentei aqui no blog e que só funciona no almoço. Lembrei sobretudo de já ter visto, alguma vez, que aceitava organizar eventos noturnos. O Sinhá.

Mas ali todo cuidado era pouco. Sei que Julio Bernardo, dono e chef, acompanha meu blog, me segue no twitter; eu o sigo no twitter e acompanho seu blog. Muitas vezes já trocamos opiniões e conversas virtuais. Tinha dúvida se me reconheceria fisicamente, mas sabia que conhecia meu nome.

Empregamos então a velha técnica de expor o nome apenas de minha mulher. Ela escreveu, esclareceu as condições do evento e pediu um orçamento.

Quando ele chegou, veio a boa surpresa: o valor era pelo menos 25% abaixo do menor que antes recebêramos, oferecia um farto e inteligente bufê e, fora o vinho, incluía tudo. Daria para fazer a festa e, na expectativa de tê-la no bom espaço e com a comida do Sinhá, até eu me empolguei.

Marcamos para o dia 16. A previsão era de que o 15 fosse longo demais para permitir comemorações no seu final.

No dia 15, tudo deu certo, voltei para casa lá pelas nove e pouco da noite, peguei minha garrafa de vinho, fomos jantar a dois num de nossos restaurantes favoritos, o Marcel.

No 16, São Pedro, inclemente, descarregou fartas águas sobre São Paulo, tornando intrafegável o que já é normalmente caótico.

Um terço de nossos sessenta convidados simplesmente não conseguiu chegar ao restaurante. Os que conseguiram chegar comeram bem, conversaram muito, beberam, e todos que não conheciam o Sinhá, sem qualquer exceção, lamentaram ter demorado tanto a provar sua comida. Os derradeiros saíram de lá à meia-noite, quando a chuva já tinha passado, e, espero, tenham chegado sãos e secos em casa.

Nos momentos em que o chef esteve no salão, procurei ser discreto e não chamar atenção. Minha mulher prosseguia sendo a responsável por toda comunicação.

Não adiantou: no dia seguinte, lhe escrevi para agradecer e perguntei se tinha me reconhecido durante a festa. A resposta foi categórica: ‘Claro que sim, mas não quis constrangê-lo.’ Profissionalismo e respeito.

E eu?

Comi um pouco de tudo e vi que tudo estava muito bom. Percebi mais uma vez a dedicação dos funcionários de lá, gentis o tempo todo; confirmei a correção da escolha do lugar e, claro, a seriedade e honestidade da casa.

Reconheci que, como sempre, minha mulher tinha razão: era necessária essa festa. Por várias horas, ri, conversei, estive com pessoas muito importantes e bacanas. Fui feliz sem restrições.


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Alho de Ouro

22/12/2009

Fim de ano, balanços.

Não vou instituir nenhuma premiação por aqui, nem direi quais são os melhores restaurantes de São Paulo. Há listas e gentes que fazem isso com maior competência.

Mas não resisto a dizer quais foram os restaurante em que melhor comi neste 2009 (em território nacional).

Não necessariamente os melhores, embora eu os ache muitíssimo bons.

E sim aqueles a que tive mais vontade de ir e a que fui mais vezes.

De saída, declaro que dois restaurantes são hors-concours: Fasano e D.O.M.. Bons demais, gosto demais deles, poderia almoçar e jantar lá diariamente. Só que vou menos a eles do que gostaria — e é fácil imaginar o motivo. De qualquer forma, cada um no seu estilo (e tenho que confessar: entre eles, prefiro o Fasano), são fundamentais.

Sem mais delongas e em ordem alfabética, o Alho de Ouro deste ano (epa, não era uma premiação!) vai para…

AK

Ici

Marcel

Sal

Tappo

Além disso, vale lembrar que em 2009:

– meu melhor jantar aconteceu no dia 21 de julho no Parigi (a comida foi muito boa, mas “melhor jantar” implica várias outras coisas, inclusive o momento…)

– os melhores almoços da categoria bom, barato, bem bacana e nada banal foram os do Sinhá

– o melhor prato dentre as centenas que provei foi o raviolini de pato com perfume de laranja, do Fasano.

– por mais absurdo que soe, a revelação do ano, para mim, foi o Pomodori. Claro que não é novo, mas renasceu mais barato e muito melhor.


Antes que comecem os protestos e as reclamações, as discordâncias sustentadas e as idiossincrasias, repito: são os que me deixaram mais feliz (assim mesmo: subjetivamente) em 2009.

Agora, Alhos, Passas e Maçãs viaja um pouco: durante janeiro come e bebe em outras latitudes; volta em fevereiro.

Um 2010 suculento para todos nós!


Pato & Caipirinha

10/06/2009

Não sei se é falha genética ou de caráter. O fato é que não gosto de cachaça.

Nem do cheiro, que me parece excessivo, invasivo. Que parece que vai me imergir num mar de doçura meio pegajosa.

Por isso, fujo de caipirinhas e similares como o diabo da cruz. E não adianta minha irmã e meu cunhado insistirem que boa cachaça é boa e que caipirinha bem feita, também.

Só que tudo – até minha ojeriza à cachaça – tem um “até que”.

Até que… eu comentasse, de passagem, com minha irmã, que as caipirinhas do Sinhá eram elogiadas. Daí para frente, ela queria, de qualquer jeito, ir lá. Inclusive porque sabia que estava fora de cogitação irmos a um bar para tomar caipirinha. Num restaurante, pelo menos (eu pensava e ela entendia), dava para encobrir logo o gosto da cachaça.

Demorou algumas semanas para que conciliássemos nossos horários de todos. Fomos, finalmente, no domingo passado.

A idéia, claro, era começar pela caipirinha. Ainda oscilei, aventei pedir com vodka, mas sucumbi. Propus à minha mulher que dividíssemos e pedi uma caipirinha de lima da Pérsia. Com cachaça.

A garçonete me perguntou com qual cachaça queria. Não tinha a menor idéia. Me vieram à mente alguns produtores de vinho e algumas marcas de whisky. De cachaça, bulhufas. Meu cunhado veio em meu socorro e foi categórico: Selecta. Ok, Selecta.

Minha irmã preferiu a de tangerina com pimenta rosa.

E, les voilà, chegaram os copos altos, bonitos e coloridos, com quantidade imensa de frutas. Menos mal. Em último caso, secaria cuidadosamente as fatias de lima e chuparia.

A surpresa é que estava boa, muito boa. A cachaça, suave, teve a boa idéia de apagar aos poucos seu aroma e manter sua presença discreta no paladar. A da minha irmã, ainda melhor, combinava a fruta com a especiaria e contrastava ambas com o sabor da cachaça. Claro que ela não ficou numa só.

Eu fiquei. Mas gostei. Claro que devo demorar para repetir (literalmente) a dose. Afinal, por melhor que possa ser uma caipirinha, continuo preferindo um vinho ou, ocasionalmente, whisky. Mas é uma opção. E considerá-la já é um grande passo – ainda mais para alguém que (por falha genética, de caráter, ambas, ou seja o que for) prefere uma certa distância daquele cheiro.

As surpresas do almoço, porém, não haviam acabado.

O bufê estava muito bom, como sempre, e o serviço muito atencioso. É difícil – exceto pela Tenda do Nilo – imaginar uma melhor refeição em São Paulo a esse preço (30 por pessoa; minha filha: 15). Queria o Sinhá perto da minha casa. Queria não ter que enfrentar, ao ir lá, a angústia de estar nas imediações da Rebouças 2659 (e não vou, claro, explicar porque esse lugar me angustia: exposição da privacidade tem limite).

Não, não foi a qualidade que me surpreendeu, nem foram os chips de abobrinha, que minha filha devora, nem os legumes crocantes, no ponto, ou o escondidinho e os grelhados bem feitos. Nem o ovo pochê, a costela macia ou o pãozinho de tapioca com chutney de abacaxi.

Foi o arroz com pato. E toca de novo a lidar com a memória, agora das inúmeras vezes em que comi o fabuloso arroz com pato que meu pai preparava – talvez a origem mais explícita de minha adoração definitiva por carne de pato.

O do Sinhá não tinha o gengibre, nem as raspas de casca de laranja que meu pai usava na receita dele, mas vinha úmido na dose certa, com o sabor do pato prevalecendo e dialogando com o restante. Muito bom.

Depois, pelo Twitter, Julio Bernardo, o chef, esclareceu que a receita do arroz de pato é da Talitha Barros, cuja comida só experimentei uma vez, no Boa Bistrô, há tempos. Bom saber.

Num almoço só, descobri que caipirinha é bebível e comi um arroz de pato muito bom. Até dispensaria o tiramisù de rapadura. Claro que não dispensei.

Na saída, o álcool da cachaça potencializava uma certa turbulência na memória – arroz de pato, avenida Rebouças. Mas eu estava feliz.

Tudo certo, afinal, na prova dos nove do sorriso pós-refeição.

Sinhá

Rua Antonio Bicudo, 25, Pinheiros, São Paulo

Tel.  11  3081 4627

Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Sinhá

Bom, barato e inteligente

19/03/2009

Comida tem que ser, em primeiro lugar, boa de comer.

Comida boa pode ser cara ou barata. Em São Paulo, quase sempre é cara.

Embora preço seja subjetivo e circunstancial.

Gastar 300 reais por cabeça – no Jun, por exemplo – é trocá-los por um prazer e algumas horas de tremenda satisfação.

Desperdiçar 20 – ou pior, 150 – numa biboca que serve uma porcaria revolta.

Voltei ao Sinhá no domingo passado para comer bem e barato.

Houve época em que trabalhava bem perto e almoçava lá sempre.

O tempo passou, meu emprego mudou e só de vez em quando provava o trivial bem montado do chef Julio Bernardo.

Chef Julinho, como gosta de ser chamado, é um polemizador na gastronomia paulistana. Por conta disso, parece que colecionou inimigos e adquiriu fiéis adeptos.

Eu, que vivo em outro mundo, não me interesso por essas brigas. As do mundo em que trabalho já são suficientemente encarniçadas e baldias para que eu não precise recorrer a outras. Resumo-me a ler o que ele escreve em seu concorrido blog. Às vezes, concordo; outras vezes, não. Às vezes rio, em outras me irrito. É assim a vida.

Mas me interesso pela comida que ele serve por 30 reais, no almoço de domingo, e um pouco menos durante a semana.

Me interesso por sua proposta – sim, tem uma – de recuperar pratos da cozinha regional brasileira, executá-los de forma que contornem os riscos do super-aquecimento de um bufê e oferecer variações inteligentes de alguns preparos, incorporando ingredientes e combinando tradições e tempos.

Me interessam os legumes pouco cozidos do bufê de saladas, que mantêm a crocância e o sabor do ingrediente de boa procedência. Me interessa seu pãozinho de tapioca, que pode vir acompanhado do chutney de manga, cheio de gosto da fruta.

Me interessam os deliciosos chips de abobrinha – que minha filha (que não gosta de abobrinha) adorou.

Ou o escondidinho de carne seca, um dos melhores pratos – superior, por exemplo, ao Baião-de-dois, que estava um tanto inexpressivo, e à boa-mas-não-empolgante costelinha barbecue.

Me interessa o bife ancho, saído da grelha do fundo do salão e melhor que o de muita churrascaria bacana por aí: macio, saboroso, grelhado no tempo e no ponto certo.

Na sobremesa, o inventivo e bom tiramisù de rapadura, puxado no álcool. O brownie de chocolate branco com castanha do Pará e sorvete de framboesa é doce demais para o meu gosto, mas é fácil perceber que é bem concebido e preparado. Sem contar o leve e delicado pudim de leite – que tem o óbvio, mas tantas vezes perdido, gosto de leite.

Para fechar, um expresso bem tirado.

Tudo isso antes de pedir a conta de 120 reais (dois adultos e uma criança – que paga metade do valor do bufê) e sair de lá caminhando pela rua dos Pinheiros com a sensação do bom e do barato, da comida honesta, que concilia idéias novas e ocasionais adaptações de clássicos com execução correta. Comida que vem – algo raríssimo num bufê – no ponto certo de cocção.

Comida – que mais dizer? – muito boa de comer.

Sinhá

Rua Antonio Bicudo, 25, Pinheiros, São Paulo

Tel.  11  3081 4627

Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Sinhá