Durante anos me dediquei a um determinado trabalho. Quantos? Não sei, acho que uns dez, talvez doze ou quinze, talvez a vida inteira.
Claro que não cuidava dele todo dia. Ia e voltava, esquecia por meses, por um ano e pouco. Depois retornava, mais amadurecido (ah, ilusão…).
Acabei esse trabalho por volta de maio deste ano. Mas não bastava acabá-lo; ele precisaria ainda ser colocado à prova, e esta só ocorreria na metade de dezembro.
Meses de alguma expectativa e de pelo menos uma dúvida séria: faria uma festa para comemorar o sucesso que, pretensioso, esperava que ele tivesse?
Bicho parcialmente do mato, sou avesso a festas. Prefiro as comemorações miúdas, com pouca gente e olho no olho.
Planejei, então, e sempre com a arrogância de quem supõe que tudo vá dar certo, uma celebração íntima. Comprei meu vinho favorito de todos os tempos, guardei cuidadosamente a garrafa e fiquei a matutar onde jantaria, com mulher e filha, na noite de 15 de dezembro, dia em que tudo se resolveria.
Ao saber de meus planos, minha mulher perdeu a paciência. Lembrou que, em quatorze anos de convivência, só fiz uma festa, que foi de aniversário e há mais de doze anos. Que não fazia qualquer sentido, era até injusto, que tanta gente importante para que meu trabalho desse certo fosse excluída da comemoração.
Capitulei. Mas impus condições: não queria me preocupar com nada, sobretudo não queria cuidar da arrumação de nosso apartamento no dia seguinte. Queria que a festa fosse fora de casa, que pudéssemos chegar, comer e beber bem, conversar com a família e os amigos, ir embora, dormir e acordar sem afazeres.
Os termos do acordo de paz foram selados e resolvemos procurar um restaurante que fizesse eventos. Mas havia um problema: alguns conhecem meu nome, outros talvez o conheçam — o nome de batismo mesmo, o que está na estropiada certidão de nascimento mencionada no texto inicial desta saga.
Era necessária, então, uma estratégia: eu escreveria aos restaurantes nos casos em que tivesse certeza, ou quase, de que não seria reconhecido; ela entraria em contato com aqueles em que certa ou provavelmente sabiam de meu nome.
Ocorre que minha mulher tem incríveis qualidades, muitas mesmo, mas lhe falta o gosto pelo uso do computador. Brinco que ela verifica suas mensagens eletrônicas, sem falta, a cada dois meses… Cabia, então, a mim acompanhar o andamento das conversas virtuais e, vez ou outra, estimulá-la a ligar o computador e olhar a caixa postal.
Ultrapassado um percalço ou outro — e descartados os três ou quatro ‘organizadores de eventos’ que nunca nos honraram com suas respostas —, acumulamos cinco orçamentos. E lhes confesso, meus caros: fiquei estarrecido.
O mais baixo pedia mais de oitenta reais por pessoa e se dispunha a oferecer alguns petiscos de entrada e uma massa. Just it, como diz a marca de tênis. Continha ainda um alerta, que tomei por ameaça: se o evento ultrapassasse tantas horas de duração (quatro ou cinco, não lembro), haveria um acréscimo de 20 ou 30% no preço.
Minha mulher e eu nos entreolhamos e foi a vez dela concordar comigo: a comemoração seria mínima, restrita, no meu padrão usual.
Não entro no mérito dos custos, nem avalio o adicional de tempo. Imagino a dificuldade de pagamento de funcionários, espaço, de tudo. Acredito que os orçamentos fossem justos e honestos. Mas eu simplesmente não podia pagar o que me pediam. Ponto final.
Quer dizer, ponto e vírgula. Porque lembrei de um restaurante a que vou com menos frequência do que gostaria, que já comentei aqui no blog e que só funciona no almoço. Lembrei sobretudo de já ter visto, alguma vez, que aceitava organizar eventos noturnos. O Sinhá.
Mas ali todo cuidado era pouco. Sei que Julio Bernardo, dono e chef, acompanha meu blog, me segue no twitter; eu o sigo no twitter e acompanho seu blog. Muitas vezes já trocamos opiniões e conversas virtuais. Tinha dúvida se me reconheceria fisicamente, mas sabia que conhecia meu nome.
Empregamos então a velha técnica de expor o nome apenas de minha mulher. Ela escreveu, esclareceu as condições do evento e pediu um orçamento.
Quando ele chegou, veio a boa surpresa: o valor era pelo menos 25% abaixo do menor que antes recebêramos, oferecia um farto e inteligente bufê e, fora o vinho, incluía tudo. Daria para fazer a festa e, na expectativa de tê-la no bom espaço e com a comida do Sinhá, até eu me empolguei.
Marcamos para o dia 16. A previsão era de que o 15 fosse longo demais para permitir comemorações no seu final.
No dia 15, tudo deu certo, voltei para casa lá pelas nove e pouco da noite, peguei minha garrafa de vinho, fomos jantar a dois num de nossos restaurantes favoritos, o Marcel.
No 16, São Pedro, inclemente, descarregou fartas águas sobre São Paulo, tornando intrafegável o que já é normalmente caótico.
Um terço de nossos sessenta convidados simplesmente não conseguiu chegar ao restaurante. Os que conseguiram chegar comeram bem, conversaram muito, beberam, e todos que não conheciam o Sinhá, sem qualquer exceção, lamentaram ter demorado tanto a provar sua comida. Os derradeiros saíram de lá à meia-noite, quando a chuva já tinha passado, e, espero, tenham chegado sãos e secos em casa.
Nos momentos em que o chef esteve no salão, procurei ser discreto e não chamar atenção. Minha mulher prosseguia sendo a responsável por toda comunicação.
Não adiantou: no dia seguinte, lhe escrevi para agradecer e perguntei se tinha me reconhecido durante a festa. A resposta foi categórica: ‘Claro que sim, mas não quis constrangê-lo.’ Profissionalismo e respeito.
E eu?
Comi um pouco de tudo e vi que tudo estava muito bom. Percebi mais uma vez a dedicação dos funcionários de lá, gentis o tempo todo; confirmei a correção da escolha do lugar e, claro, a seriedade e honestidade da casa.
Reconheci que, como sempre, minha mulher tinha razão: era necessária essa festa. Por várias horas, ri, conversei, estive com pessoas muito importantes e bacanas. Fui feliz sem restrições.