Em setembro foram entregues os prêmios da Veja São Paulo — Comer & Beber. Ontem à noite foram distribuídos os do caderno Paladar.
Prêmios, em qualquer área, são referências. São sistematizações.
Por isso, exigem regras prévias que classificam e generalizam: tornam possível a comparação. Afinal, sob olhar rigoroso, tudo pode resultar, numa perspectiva ou noutra, incomparável. O mesmo vale para listas de “melhores livros”, “melhores discos” ou “melhores restaurantes”.
Daí precisarmos abstrair diferenças. Se não o fizermos, viveremos — tal qual Funes, famoso personagem de Borges — num mundo de individualidades absolutas e de pleno relativismo.
Prêmios também implicam inclusões e exclusões. E são sempre passíveis de críticas e rejeições.
Quando se limita tanto — caso do prêmio Paladar, que determina um conjunto fechado de 50 e poucos pratos, 30 e poucos restaurantes — é possível fazer uma longa lista do que não podia ter ficado de fora e perguntar o motivo de certas escolhas.
Quando se abrange tanto — caso do prêmio da Veja SP, que define um universo amplo de restaurantes: quase tudo que há na cidade — é possível questionar a diversidade de critérios em que os jurados se baseiam e duvidar se todos de fato conhecem todos os lugares.
A concepção dos dois prêmios é diversa. O da Veja supõe a presença constante e regular dos julgadores nos restaurantes: trabalha a longo prazo e fotografa com grande angular. O do Paladar valoriza o aqui e agora e fotografa com zoom.
Pessoalmente gosto de ambos. Porque ambos são o que prêmios são: referências.
Não à toa, a Veja SP Comer & Beber virou o verdadeiro guia gastronômico da cidade e o Paladar virou revista para ser melhor guardado. Não à toa, são respeitados dentro e fora da área.
Mas é óbvio: nem todos concordaremos com seus resultados. Sempre há o desconforto com uma ou outra escolha — ou com todas.
Na Veja, que elege “restaurantes”, suponho que o voto deva considerar tudo: da hora da reserva à saída do restaurante. A comida é fundamental, mas não é o único objeto de avaliação. E isso é bom. Porque comer fora envolve um conjunto grande de movimentos — além, claro, da mastigação. Um mau serviço ou um atendimento displicente pode jogar fora a boa qualidade da comida.
No Paladar, que elege “pratos”, creio que deva se restringir ao que foi comido. E, dadas as características do prêmio, naquele dia e naquele horário. O entorno continua importante e merece ser declarado, mas não pode determinar a escolha.
O primeiro “comentário blogueiro” aos resultados do Paladar 2009 destacou a diversidade da opinião dos eleitores. Acho que a variação de voto — e falo aqui especificamente como jurado dessa edição do prêmio, e não como teórico do assunto — resultou, em muitos casos, da irregularidade de nossos restaurantes. Pelo menos quatro pratos que receberam votos — um deles foi o vitorioso em sua categoria — estavam intragáveis em minhas visitas.
E se prêmios são referências, esta é uma questão séria que mereceria melhor discussão. Pagamos 60, 70 reais por um prato e ele pode chegar à mesa cheio de sabor ou totalmente sem gosto. Temperado na medida exata ou carregadíssimo de sal. Claro que todos podem errar e sempre é possível devolver. Mas onde está o controle de qualidade dessas casas? O próprio crítico do Estado, Luiz Américo, falou recentemente disso em seu blog.
Outra questão que o rali do prêmio Paladar levanta — ou, pelo menos para mim, levantou — vem da má qualidade de muitos dos pratos provados. Havia dias em que eu chegava em casa arrasado. Ok, o dinheiro desperdiçado não era meu. Mas quantas vezes já saí de restaurantes com a sensação de injustiça? E quantas pessoas não são lesadas dia-a-dia?
São Paulo tem restaurantes incríveis. Come-se muito bem por aqui, apesar das altas contas. Mas tem também muita coisa ruim, embalada em decorações modernas e bacaninhas.
Também por isso prêmios são referências. Para que as pessoas normais (ou seja, todas aquelas que não vão a 30 e poucos restaurantes diferentes no prazo de 17 dias) tenham alguma base na hora de escolher onde farão aquele jantar da sexta à noite ou onde comemorarão os dez anos de casamento.
Por isso, guardo a edição anual da Veja SP Comer & Beber. Por isso, guardarei a do Paladar.
No final das contas, entre abstrações, generalizações, inclusões e exclusões, calculo que todos ganhamos com a sistematização de avaliações e as comparações que os prêmios oferecem. Desde que, claro, não acreditemos que o gosto e a experiência alheia possam substituir a nossa.
Dois comentários para encerrar.
Primeiro. Um júri popular elegeu o melhor couvert. Claro que também entrei no site do Paladar e dei meu votinho eletrônico. Dividido entre meus dois couverts preferidos (Picchi e AK), acabei por votar no AK.
Segundo. Não vou reproduzir aqui os comentários sobre 50 e poucos pratos que provei. Todos os textos de todos os jurados estão (ou estarão) na página do Paladar — os elogiosos e os críticos, os que levaram o voto e os que não o levaram. Mas me dou o direito de deixar aqui quatro listas:
— a dos melhores pratos que provei durante a maratona;
— e, triste, a dos piores;
— a dos restaurantes que visitei nessas semanas e, hoje, tenho a impressão de que não consigo viver sem eles;
— a dos restaurantes a que não tenho, hoje, qualquer vontade de voltar.
Alguns discordarão. Claro. E ainda bem. Eu mesmo posso, amanhã, discordar. Ainda bem.
Os doze melhores pratos (e até arrisco dizer que estão em ordem de classificação — se é que isso é possível):
1. Raviolini de pato, do Fasano (o melhor de todos; de vez em quando ainda fecho os olhos para pescar, semanas depois, um pouco de seu gosto);
2. Paleta de cabrito, do Gero
3. Moules & frites, do Ici
4. Ravioli de quiabo e frango, do Pomodori
5. Pain perdu, do Ici
6. Porco à moda caipira, do Pomodori
7. Paleta de cordeiro, do Maní
8. Robalo com caruru, do Tordesilhas
9. Ovo mollet empanado com purê de pupunha e molho de cogumelo, do Così
10. Tutano, do Ici
11. Arroz Maria Isabel, do D.O.M.
12. Spaghetti ao vôngole, do Marina de Vietri
Os dez piores pratos (em ordem alfabética; em alguns deles, erros graves de execução):
— Barriga de porco, do Vito
— Cassoulet, do Freddy
— Costeleta de cordeiro com batata gratinada, do Due Cuochi
— Explosão de chocolate, do Carlota
— Feijoada com carpaccio de pé de porco, do Maní
— Filé au poivre, do La Casserole
— Lasagna alla bolognesa, do Aguzzo
— Moti recheado com chocolate, do Kinoshita
— Rosbife em crosta de lapsang souchong, do Maní
— Tartare de vieira com cítricos, do Eñe.
Os quatro restaurantes a que quero voltar logo — até porque o serviço está à altura da maravilhosa comida:
— Fasano
— Ici
— Gero
— Pomodori
Os quatro restaurantes a que talvez demore a voltar — até porque, nos três primeiros casos, a comida, mesmo quando boa, foi azedada pelos erros graves de serviço:
— Due Cuochi
— Le Marais
— Emiliano
— Carlota
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