No cinza de uma tarde de agosto, ele deixou a filha no teatro e seguiu em frente.
Os dias andavam ariscos, ríspidos, os meses, os dois últimos anos. As férias recentes não tinham sido suficientes. O que havia nele era sobretudo cansaço.
Passou pela porta do Conceição como passara tantas outras vezes, mas dessa vez havia algo de mecânico no andar, de pouco humano. E mecânico foi o cumprimento, lançado de longe à dona do lugar.
Sentou-se e, como desde cedo aprendera que nada cura mais que um livro, abriu o seu e avançou por uma história triste, toda feita de perda e desencontro.
O silêncio emoldurado de jazz dissolveu, por três horas, o mundo torpe de fora e, para prosseguir nos números, ele leu um livro, tomou três cafés e comeu um pedaço de brownie.
Quando saiu de lá, era fim de tarde e o céu azulava. Ao descer os degraus da rua, deu um abraço e um beijo na Talitha, melhor cozinheira que ele conhecia em São Paulo. Seguiu para reencontrar a filha e, junto com ela, uma vida que — tal qual o Conceição provou naquela tarde — pode ser melhor.
*
ps. Não sei se voltarei a escrever no blog. Até acho provável que sim, mas hoje não sei. O silêncio dos últimos meses já mostrou que compartilho o cansaço do personagem do conto. Se de fato acabar agora, dias antes de o blog completar nove anos, gosto que seja com um comentário sobre o Conceição Discos e Comes, esse lugar único, que oferece muito mais do que ótima comida. Afinal, o blog nunca tratou só de comida: começou como uma brincadeira, virou um exercício de paladar e texto e quase sempre foi feliz.
05/08/2015 às 21:57
Não nos deixe… Se não for no blog, continue. Ainda que em alguma folha de papel que possa ser compartilhada!
06/08/2015 às 07:58
Meu primeiro comentário. (talvez) Seu último texto. A vida é uma sequência de perdas. Obrigado por tudo, Alhos.
06/08/2015 às 09:56
Como já disse Guimarães Rosa há algum tempo “a vida é assim, esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Uma vez uma pessoa, me disse: não fique presa às regras que você mesma criou. Me marcou, e espero que de alguma forma chegue a você. Uma das belezas da vida é o seu poder de renovação, são os seus os seus ciclos de vida e morte e vida.
06/08/2015 às 16:11
Obrigado, Patricia.
Se não for no blog, encontraremos outros caminhos.
Abraços!
Daniel,
eu é que devo agradecer pelas leituras.
Abraços!
Milena,
obrigado pela referência de Rosa: é isso mesmo.
Abraços!
20/08/2015 às 13:03
Tenho a impressão que o mundo das comidas ( ou foodie, se preferir…eu não) chegou a um ponto de exaustão , ao menos na imprensa dita especializada. Daí a extinção de vários blogs/sites, culminando com sucesso de “reality” de culinária, que é o golpe final em termos de superexposição de um tema. Pelo visto VC já captou há tempos esse cansaço gastronômico.
21/08/2015 às 09:52
Alex,
concordo: triunfou a cultura do espetáculo, a bajulação e o oportunismo.
Abraços!
23/08/2015 às 00:14
Ah, não, ah, não… JB prenunciando o fim e você desistindo de escrever. Muita angústia para uma semana só.
Por favor, Alhos, continue, mesmo que seja fazendo ficção.
24/08/2015 às 10:33
Juba,
obrigado por seu comentário. Os dias andam difíceis. Aqueles que fazem divulgação paga mascarada de crítica venceram; venceram os oportunistas e os de precário caráter. Venceram os olhos fechados para os conflitos de interesse. Enfim…
Mas continuamos por aí, de fato ou de ficção.
Abraços!
25/08/2015 às 09:49
por favor continue…imagino que eu faça parte de um grupo – não desprezível – de pessoas que acessava o blog várias vezes todas as semanas nos últimos meses para saber se teríamos algo novo (e verdadeiro!) vindo de vc…um gde abç
almir
25/08/2015 às 10:06
Almir,
obrigado pelo comentário.
Vamos seguindo. Quem sabe, hora dessas?
Abraços!
28/08/2015 às 15:27
Caro Alhos
Não o conheço, muito menos sei seu nome, mas não deixe de escrever. Seus textos são sinceros e esclarecedores. De fato a gastronomia está muito em evidência na televisão e nisto proliferam-se os entendedores e bajuladores na grande rede, que não é o seu caso e do JB.
Mesmo rareando os textos, não pare.
Abraço
Ernestão
31/08/2015 às 08:50
Ernestão,
muito obrigado por seu comentário.
Acho que, mais dia, menos dia, aparecerá texto por aqui
Abraços!
16/10/2015 às 16:01
Uma pena caro Alhos.
Gosto muito dos seus textos.
Esse ambiente de ódio político tem contaminado todas as nossas esferas do viver, principalmente aqui no tucanistão.
um grande abraço e torcida para que ,mesmo de vez em quando, você dê seus pitacos por aqui!!!
Ricardo.
26/10/2015 às 06:38
Ricardo,
muito obrigado.
Virei, sim.
Abraços!
07/11/2015 às 20:40
Tomara q.de vez em quando v. apareça. Seus textos são tão tocantes q. sempre q.venho aqui, encontro um alento,pq. antes da comida, vem a descrição daquele cotidiano de todos nós…, enfim, obrigada pelas emoções.
19/02/2016 às 10:30
Patrícia,
só hoje vi o comentário. Me desculpe…
Tentarei.
Obrigado a você, pela gentileza.
Abraços!
02/02/2018 às 07:09
Volta!
26/02/2018 às 09:19
Obrigado, Thiago.
Mas o mar não está para peixe…
Abraço!
02/03/2018 às 17:15
Alhos,
Acompanho há poucos dias o seu blog e estou lendo todos os posts em sequência. Atualmente estou em “Saint Louis”, o que é triste pois logo acabam os posts.
Conheci seu blog pelo boteco do JB (atualmente Edifício Tristeza), e acho incrível o seu jeito de escrever.
Acredito que ambos tenham algumas semelhanças que me atraem, como por exemplo a sinceridade em relação aos pratos e o fato de você pagar sua visita ao restaurante, pois acho que isso os tornam mais autênticos na escrita. Como diz o JB, “sem rabo preso”.
Não peço para que volte a escrever. Lendo os comentários acima vejo que você tem os seus motivos para ter parado, e os respeito independente de quais sejam. Mas você fará falta.
Abraços de um fã de gastronomia.
05/03/2018 às 08:48
Henrique,
muito obrigado por seu gentil comentário.
De fato, pagar a conta é o mínimo que se pode fazer para garantir a autonomia da crítica.
Abraços!