Aconteceu numa terça-feira —como antes acontecera em tantos outros dias.
Era terça, apenas terça, mas a semana já se arrastava —como acontece com tantas semanas na vida da gente.
Saí da firma por volta da uma e meia, duas da tarde. Fui para um restaurante do Itaim (não, não direi qual) e comi mal, bem mal.
Olhei o relógio e não eram nem duas e meia: me restavam mais de duas horas antes de pegar minha filha na escola. Ir para casa era inútil: passaria mais tempo no trânsito que na poltrona.
Melhor opção era seguir direto para o Pacaembu, parar na frente da escola e ficar lendo no carro. Não seria a primeira, nem a segunda, nem a centésima vez que faria isso.
Dirigi, então, pela Brasil, Henrique Schaumann. Quase na hora de virar à direita —Sumaré, e depois partir na direção do estádio—, girei à esquerda, contornei as ruas estreitas de Vila Madalena e estacionei na frente da Casa da Li.
Nessa terça-feira —como antes em tantos outros dias—, cumprimentei a Angélica e a própria Li, sempre tão gentis, sentei na minha mesa preferida, no canto, e comi um sugoli de laranja, sobremesa que minha tia e madrinha fazia quando eu era pequeno e de que me esqueci por mais de três décadas.
Aconteceu em tantos outros dias antes porque a Casa da Li, rosticceria que também é restaurante, se tornou, já faz tempo, um refúgio. É para lá que escapo, no meio da tarde, entre um compromisso e outro. É lá que faço hora quando posso ou preciso. É lá que como uma das duas melhores porchette de São Paulo e, de longe, a melhor lasanha.
Não sei bem quantas vezes sentei no computador para escrever sobre a casa e desisti. Não sabia o que dizer, não sabia como expressar o hábito intransferível de simplesmente sentar a uma das mesas e se deixar ficar. Não queria também que se confundissem as coisas: Li me conhece, me trata com cortesia profunda, com proximidade. Como elogiar um lugar em que não sou anônimo ou quase anônimo? Por isso hesitei, abandonei a intenção de comentar, falei, com maior impessoalidade, de outro restaurante.
Também nem sempre gostei totalmente da comida —um molho mais concentrado do que esperava, a presença mais ostensiva de um tempero ou outro. Ocorrências ocasionais, pequenas perto das muitas horas de satisfação e ótima comida, do croquete de pato, do frango assado ou da incrível moela.
Por isso, nessa terça-feira não havia saída: tinha que escrever. Porque numa época em que cozinheiros viram celebridade, em que o mundo das comidas é cercado de um glamour insosso —semelhante àquele creme excessivo que só estraga a sobremesa—, precisamos de lugares onde se coma bem, onde se seja bem atendido, onde seja possível passar três horas ou quinze minutos, se recuperando de algo ruim ou esperando algo melhor.
Aquele lugar que, mesmo longe de casa, é como se estivesse ali, bem perto. Aonde não se deve ir apenas numa terça-feira.
Rua Aspicuelta, 23, Vila Madalena, SP
tel. 11 3871 1002