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Ali na Li

15/06/2012

 

Aconteceu numa terça-feira —como antes acontecera em tantos outros dias.

 

Era terça, apenas terça, mas a semana já se arrastava —como acontece com tantas semanas na vida da gente.

 

Saí da firma por volta da uma e meia, duas da tarde. Fui para um restaurante do Itaim (não, não direi qual) e comi mal, bem mal.

 

Olhei o relógio e não eram nem duas e meia: me restavam mais de duas horas antes de pegar minha filha na escola. Ir para casa era inútil: passaria mais tempo no trânsito que na poltrona.

 

Melhor opção era seguir direto para o Pacaembu, parar na frente da escola e ficar lendo no carro. Não seria a primeira, nem a segunda, nem a centésima vez que faria isso.

 

Dirigi, então, pela Brasil, Henrique Schaumann. Quase na hora de virar à direita —Sumaré, e depois partir na direção do estádio—, girei à esquerda, contornei as ruas estreitas de Vila Madalena e estacionei na frente da Casa da Li.

 

Nessa terça-feira —como antes em tantos outros dias—, cumprimentei a Angélica e a própria Li, sempre tão gentis, sentei na minha mesa preferida, no canto, e comi um sugoli de laranja, sobremesa que minha tia e madrinha fazia quando eu era pequeno e de que me esqueci por mais de três décadas.

 

Aconteceu em tantos outros dias antes porque a Casa da Li, rosticceria que também é restaurante, se tornou, já faz tempo, um refúgio. É para lá que escapo, no meio da tarde, entre um compromisso e outro. É lá que faço hora quando posso ou preciso. É lá que como uma das duas melhores porchette de São Paulo e, de longe, a melhor lasanha.

 

Não sei bem quantas vezes sentei no computador para escrever sobre a casa e desisti. Não sabia o que dizer, não sabia como expressar o hábito intransferível de simplesmente sentar a uma das mesas e se deixar ficar. Não queria também que se confundissem as coisas: Li me conhece, me trata com cortesia profunda, com proximidade. Como elogiar um lugar em que não sou anônimo ou quase anônimo? Por isso hesitei, abandonei a intenção de comentar, falei, com maior impessoalidade, de outro restaurante.

 

Também nem sempre gostei totalmente da comida —um molho mais concentrado do que esperava, a presença mais ostensiva de um tempero ou outro. Ocorrências ocasionais, pequenas perto das muitas horas de satisfação e ótima comida, do croquete de pato, do frango assado ou da incrível moela.

 

Por isso, nessa terça-feira não havia saída: tinha que escrever. Porque numa época em que cozinheiros viram celebridade, em que o mundo das comidas é cercado de um glamour insosso —semelhante àquele creme excessivo que só estraga a sobremesa—, precisamos de lugares onde se coma bem, onde se seja bem atendido, onde seja possível passar três horas ou quinze minutos, se recuperando de algo ruim ou esperando algo melhor.

 

Aquele lugar que, mesmo longe de casa, é como se estivesse ali, bem perto. Aonde não se deve ir apenas numa terça-feira.

 

 

Casa da Li

Rua Aspicuelta, 23, Vila Madalena, SP

tel. 11 3871 1002

 

2011 à mesa

15/12/2011

Fim de ano, hora de balanço.

Cogitei soltar uma nova fornada do Alho de Ouro, idiossincrático e bissexto prêmio, mas desisti.

Preferi falar dos lugares que valeram a pena, para mim, em 2011.

Duas estreias que, além de serem as mais interessantes do ano, ainda por cima rimam: Julice e Epice.

Julice, a padaria que me deu alegria atrás de alegria —e a melhor das alegrias, a de ter um delicioso pão, alimento essencial, sempre por perto.

Epice, o restaurante que criou um almoço executivo sensacional e que, se conseguir à noite a excelência que demonstra de dia, pode se tornar um dos melhores de São Paulo.

Os quatro melhores jantares do ano aconteceram em restaurantes de estilos muito diferentes: uma inacreditável degustação na Brasserie de Erick Jacquin —um dos grandes jantares da vida, não só do ano—, outra degustação maravilhosa com Roberta Sudbrack, a revelação da absoluta delícia do Clandestino e um jantar decisivo num de meus refúgios favoritos, a Tappo.

Fora isso, a conclusão de que Marcel, Ici e 210 Diner continuam deliciosos. Que o Tordesilhas prossegue na lista dos restaurantes essenciais da cidade. Que o Emiliano corrigiu a afetação de seu serviço e sua comida está melhor do que nunca. Que a Casa da Li, a princípio uma rotisserie, virou também um excelente restaurante.

Mas se eu tivesse que escolher meu restaurante do ano, escolheria o AK, agora AK Vila, uma reestreia. Perdi a conta de quantas vezes comi lá, do quanto minha geografia da cidade foi alterada para que eu frequentasse mais a Vila Madalena. No AK Vila, além da comida sempre boa, descobri o acolhimento e o prazer que sentia no AK da Mato Grosso e que eu supunha ter perdido na mudança. Não perdi.

E, como tudo tem seu lado ruim, o ano também trouxe grandes decepções. Um jantar caríssimo, cheio de afetação e sem brilho no Arola 23. Uma refeição igualmente cara e desleixada no Kinoshita. E o desconfortável desaparecimento do Jun Sakamoto, em meio a um jantar em seu balcão, sem que qualquer satisfação fosse dada aos clientes —que haviam cumprido todas as recomendações dadas por telefone, quando da reserva.

Mas faço as contas e vejo que o balanço foi positivo. As coisas boas ultrapassaram em muito as ruins e esse 2011 à mesa valeu a pena.

Agora, descansar e descansar, porque nos outros setores foi um ano pesado demais. E esperar que, com ou sem o fim do mundo, 2012 seja um ano muito bacana para todo mundo.