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Dos privilégios

10/03/2012

 

Entro na Julice. Doze pessoas na fila. Uma moça grávida, um rapaz com bebê de colo.

 

Espero pacientemente. Todos esperamos.

 

Sábado de manhã: inevitável esperar.

 

Eis que chega um chef de restaurante próximo, aparentemente amigo da casa. Ele abraça o caixa, segue até o fundo da padaria, conversa com a própria Julice por alguns minutos.

 

A fila anda, as funcionárias, pacientes, atendem, mas não dão conta.

 

Agora sou o quarto na fila e há três pessoas atrás de mim.

 

O chef ignora a fila e começa a escolher os pães. É prontamente atendido.

 

Indignado, desisto.

 

Ao sair passo pelo caixa e reclamo. Recebo um olhar de desdém e uma resposta inesperada: “Ai, querido, não dá para ver!”

 

Volto para a casa sinceramente chateado. Adoro os pães de lá, respeito muitíssimo o trabalho da Julice —já escrevi mais de uma vez sobre isso aqui no blog.

 

Resolvo relatar o episódio no twitter. Outros também reclamam do atendimento.

 

Então, o twitter oficial da padaria me responde e nega: não, o “chef” só foi cumprimentar os funcionários e depois entrou na fila. A fila é respeitada.

 

Esclareço que, lá, o chef não é chef; é um cliente comum.

 

E que não!, não foi assim. Ou a casa quer dizer que sou mentiroso?

 

Pior que o desrespeito é a tentativa de iludir o cliente.

 

Instantes depois, outro cliente que estava lá —o que tinha o bebê no colo— confirma, pelo twitter, minha versão e diz que, depois que saí, o caixa e o chef ironizaram minha reclamação e riram dela.

 

É a vida. Afinal, os privilegiados também sabem rir. Aliás, sobretudo eles.

 

Para os comuns, existem as filas (nem sempre respeitadas) e as redes sociais.

Dois adendos e duas conclusões (às 18h de 12 de março de 2012):

– o responsável pelo twitter oficial da Julice, em outro gesto pueril, parou de me seguir e de seguir várias pessoas que endossaram as reclamações;

– um amigo me informou que o caixa é também o gerente e o administrador do twitter oficial da Julice. Se a notícia se confirmar, todos os erros foram cometidos pela mesma pessoa;

– uma conclusão: o episódio aparentemente não provocou qualquer mudança na padaria; prevaleceu a disposição de desconsiderar a voz dos clientes, não assumir os erros nem responsabilizar os culpados por estes erros;

– outra conclusão: o assunto Julice se encerra aqui. Só voltarei ao tema se houver desculpas oficiais, reconhecimento dos erros cometidos e, dessa forma, possibilidade de diálogo adulto, sério e profissional.

 

2011 à mesa

15/12/2011

Fim de ano, hora de balanço.

Cogitei soltar uma nova fornada do Alho de Ouro, idiossincrático e bissexto prêmio, mas desisti.

Preferi falar dos lugares que valeram a pena, para mim, em 2011.

Duas estreias que, além de serem as mais interessantes do ano, ainda por cima rimam: Julice e Epice.

Julice, a padaria que me deu alegria atrás de alegria —e a melhor das alegrias, a de ter um delicioso pão, alimento essencial, sempre por perto.

Epice, o restaurante que criou um almoço executivo sensacional e que, se conseguir à noite a excelência que demonstra de dia, pode se tornar um dos melhores de São Paulo.

Os quatro melhores jantares do ano aconteceram em restaurantes de estilos muito diferentes: uma inacreditável degustação na Brasserie de Erick Jacquin —um dos grandes jantares da vida, não só do ano—, outra degustação maravilhosa com Roberta Sudbrack, a revelação da absoluta delícia do Clandestino e um jantar decisivo num de meus refúgios favoritos, a Tappo.

Fora isso, a conclusão de que Marcel, Ici e 210 Diner continuam deliciosos. Que o Tordesilhas prossegue na lista dos restaurantes essenciais da cidade. Que o Emiliano corrigiu a afetação de seu serviço e sua comida está melhor do que nunca. Que a Casa da Li, a princípio uma rotisserie, virou também um excelente restaurante.

Mas se eu tivesse que escolher meu restaurante do ano, escolheria o AK, agora AK Vila, uma reestreia. Perdi a conta de quantas vezes comi lá, do quanto minha geografia da cidade foi alterada para que eu frequentasse mais a Vila Madalena. No AK Vila, além da comida sempre boa, descobri o acolhimento e o prazer que sentia no AK da Mato Grosso e que eu supunha ter perdido na mudança. Não perdi.

E, como tudo tem seu lado ruim, o ano também trouxe grandes decepções. Um jantar caríssimo, cheio de afetação e sem brilho no Arola 23. Uma refeição igualmente cara e desleixada no Kinoshita. E o desconfortável desaparecimento do Jun Sakamoto, em meio a um jantar em seu balcão, sem que qualquer satisfação fosse dada aos clientes —que haviam cumprido todas as recomendações dadas por telefone, quando da reserva.

Mas faço as contas e vejo que o balanço foi positivo. As coisas boas ultrapassaram em muito as ruins e esse 2011 à mesa valeu a pena.

Agora, descansar e descansar, porque nos outros setores foi um ano pesado demais. E esperar que, com ou sem o fim do mundo, 2012 seja um ano muito bacana para todo mundo.

Obsessão

17/09/2011

 

Olho a mesa da copa e conto: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito.

 

Oito.

 

Oito pães. Duas baguetes, dois croissants de amêndoa e chocolate. E ainda centeio com castanha do Pará, linhaça com castanha do Pará, calabresa com Beaujolais, só centeio.

 

Pão demais para três pessoas comerem num só dia, ou dois.

 

No entanto, é inevitável. Inevitável desde que abriu a Julice. Eu — que nem moro tão perto — vou lá toda semana, às vezes mais de uma vez.

 

Invento todo tipo de pretexto para passar defronte, comer o brioche, o pain au chocolat, o de gorgonzola, o de açafrão e passas, tantos outros.

 

Ou acordo, nas margens da Paulista, e pego o carro para atravessar quatro quilômetros e tomar café da manhã lá.

 

No 7 de setembro, sem qualquer compromisso antes do meio dia, o despertador me acordou às 8 e fui comprar pão para começarmos bem o dia.

 

Obsessão, diriam os ingênuos.

 

Não é. Acontece que pão é coisa séria, bem séria.

 

Pão está na origem de tudo, simbólica e fundamentalmente.

 

Pão, que uns associam ao alívio da fome saciada e outros, à delicadeza, à profundidade do gosto, à textura, ao calor do forno e da alma.

 

O pão da Julice passou a representar tudo isso para mim, que vivo numa cidade cujas padarias viraram supermercados, se encheram de produtos desnecessários e esqueceram da qualidade de seu produto básico, essencial.

 

Nessa cidade, há uns meses, apareceu a Julice.

 

Não é, portanto, obsessão. Ou talvez seja. Aquele traço obsessivo expresso na ânsia de encontrar um croissant que de fato valha a pena, que faça lembrar croissants comidos em outras latitudes.

 

O prazer de comer um anacrônico panetone de agosto e descobrir, pela primeira vez em muitos anos, que ele não traz aquele insuportável cheiro de essência. Traz gosto e leveza.

 

Traço obsessivo — aquele que a vida aos poucos provoca no paladar da gente — de não querer mais coisas ruins ou sem graça, desnecessárias.

 

Obsessão do sabor.

 

Obsessão pelo pão da Julice.

 

Julice Boulangère

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