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Continua lindo

03/08/2013

 

Que o Rio de Janeiro continua lindo, todos sabem.

 

Mas meu Rio, a cidade que adoro, não é a do cartão postal. É menos natureza e mais ruas antigas, casas e endereços que já vieram abaixo, pequenos refúgios rodeados de livros, um café aqui, outro ali. Lugares, no mais das vezes, passados ou imaginários.

 

Esse, o roteiro de meus cinco dias de férias —os primeiros em quase um ano, talvez os últimos até julho do ano que vem.

 

Andanças, naturalmente, incluem algo de comida, embora não custe repetir: por mais que goste de frequentar restaurantes, não viajo para isso. Ou seja, a escolha do almoço e do jantar, com raras exceções, depende do trajeto do dia, do quanto tenho de dinheiro no bolso, das vontades e conversas de quem me acompanha nos passeios.

 

Sem contar que qualquer pretensão de boa resenha sobre restaurante carioca é inútil: qualquer delas será inferior ao incrível e detalhado mapa de comidas do meu blog-guia quando vou para lá: Pra quem quiser me visitar, de Constance Escobar.

 

Mesmo assim, não resisto a escrever sobre meia dúzia de lugares. E a sequência, abaixo, é para criar algo de expectativa: da pior para a melhor refeição.

 

E a pior ocorreu poucos minutos depois do desembarque no Santos Dumont e da chegada ao apartamento. (Apartamento situado, vejam que coisa, nos arredores da turbulenta casa do governador; a vantagem foi assistir aos protestos diretamente da janela, com direito a aspiração de um tiquinho de gás lacrimogêneo. Acontece.)

 

Jobi, ali do lado. Décadas de tradição e uma das minhas mais desagradáveis refeições em décadas: bolinho de bacalhau inexpressivo, com cheiro e gosto forte de óleo; bolinho de aipim bom, acompanhado, porém, de carne seca incrivelmente salgada; lulas empanadas moles, moles, moles, sem sabor.

 

Pouco melhor que a primeira (bem pouco) foi a antepenúltima refeição, quando o peso da partida já começava a incomodar, mas os itinerários pelo centro machadiano e a visita à sensacional mostra da Coleção Roberto Marinho, no Paço Imperial, ainda agitavam o esqueleto: Brasserie Rosário.

 

Lugar delicioso, na rua e na parte em que o Rio se reinventa: para algo, afinal, têm que servir a Copa e as Olimpíadas —além, naturalmente, dos benefícios que trazem para empreiteiras, especuladores do mercado de imóveis e outros dragões de dentes afiados.

 

Pena que a comida da Rosário seja fraca, fraquíssima, tão diferente dos vigorosos preços no cardápio. Pelo menos, foi o que se percebeu na ácida e insossa salada Caesar, na salada Printanière, com tantos elementos e tão pouco gosto, e no amolecido penne com salmão.

 

Algo melhor foi o jantar no Gonzalo, churrascaria uruguaia. O filé mignon veio numa porção bem servida e estava macio e saboroso. Já a fraldinha, embora no ponto, carecia totalmente de gosto.

 

Mas não desanime, leitor, as coisas estão melhorando: o desapreço cronológico da resenha embute um salto de qualidade… E é agora.

 

Pipo, a nova casa, bar, de Felipe Bronze, chef do ótimo Oro. Pastéis de queijo Campo Redondo com alho porró e de bochecha de boi com milho, pimenta biquinho, azeitona, tucupi e ovo. Ambos na fronteira do desequilíbrio, mas aprumados e bons: o alho porró e a azeitona tomam conta da cena (e da boca) na primeira mordida, mas depois cedem lugar aos demais sabores. O sanduíche Cervantes faz referência ao clássico bar carioca e traz, no pão de leite, barriga de porco saborosa, precisa e crocante, “compressa” de abacaxi, maionese e mostarda. Excelente. E bem acompanhado pelas cervejas (Summer Ale e Pale Ale) criadas especialmente para a casa —ideia que vem proliferando (obrigado, Senhor!) nos novos restaurantes.

 

Chico & Alaíde: nas palavras de minha filha, um sonho de bar, onde quase tudo que comemos estava bom ou muito bom. (já explico o “quase”, leitor. Paciência, por favor, já deu para notar que esse é um post longo, exageradamente longo).

 

Na categoria bom: camarão empanado com batata palha (“choquinho”) e caldinho de feijão. Na categoria muito bom: rabada com polenta, bolinho de aipim com carne seca e pastel de siri.

 

Quanto ao “quase”: um dos petiscos, o bolinho de caruru com vatapá, estava muito além de muito bom. Estava sensacional, daquelas comidas que não dá para esquecer.

 

Para fechar, duas ou três refeições no Celeiro, que merecerá, no futuro, um post só dele e que continua a ser o restaurante por quilo mais caro das sete galáxias e, ao mesmo tempo, o único restaurante por quilo que será lembrado no Juízo Final, como prova da existência do Altíssimo. Sempre muito bom.

 

E o jantar de despedida do Rio, véspera de vir embora, obviamente no Roberta Sudbrack — de que já falei em outro post e de que certamente falarei muito pela vida afora. Não deu para provar o novo cardápio —só dois pratos dele (na degustação de nove) eram servidos no dia—, mas ainda assim confirmou as impressões das três visitas anteriores: é, de longe e sem hesitação, o melhor restaurante que conheço no Brasil.

 

Ah, antes que me esqueça… O Rio de Janeiro, é óbvio, continua lindo.

 

 

Jobi

Avenida Ataulfo de Paiva, 1166, Leblon, Rio de Janeiro

tel. 21 2274 0547

 

Brasserie Rosário

Rua do Rosário, 34, Centro, Rio de Janeiro

tel. 21  2518 3033

 

Gonzalo

Avenida Bartolomeu Mitre, 450, Leblon, Rio de Janeiro

tel. 21 3796 3342

 

Pipo

Rua Dias Ferreira, 64, Leblon, Rio de Janeiro

tel. 21 2239 9322

 

Chico & Alaíde

Rua Dias Ferreira, 679, Leblon, Rio de Janeiro

tel. 21 2512 0028

 

Roberta Sudbrack

Rua Lineu de Paula Machado, 916, Jardim Botânico, Rio de Janeiro

tel. 21 3874 0139