Para quem mora no centro, ir ao Mocotó é uma pequena viagem. Espécie de fim de semana na praia. Com duas vantagens: não tem areia e a comida é boa.
Fora isso, é tudo parecido. Você se programa com antecedência, fica com medo do tráfego, sai com folga para não se atrasar.
Na minha última visita, chamei toda a família: mãe, irmã, cunhado, sobrinhos, minha mulher, minha filha e eu.
Pegamos a estrada e lá fomos nós. Mas era um domingo de feriado, São Paulo estava na proporção gente/espaço correta e conseguimos chegar lá em 30 minutos. Um recorde.
Para ser mais preciso, chegamos um pouco antes das 11h30. Minha mulher desceu na porta e imediatamente deu o nome ao rapaz que organiza a fila: garantimos, assim, a pole position.
Enquanto isso, deixei o carro para lavar um quarteirão à frente, só para ganhar o direito de ostentar, no chão, por semanas (talvez meses) os papeis de um posto de Vila Medeiros e deixar perplexas as pessoas para quem desse carona: “É que prefiro lavar meu carro em Vila Medeiros”, respondo enigmaticamente a quem me pergunta.
Sentamos no banco de madeira, ouvimos o som altíssimo do carro parado de portas abertas no boteco ao lado e ficamos batendo papo. Até ensaiei, para vergonha de minha filha, uns passos de dança em plena calçada. Logo eu, que não dançava desde os 13 anos. Mas estávamos no Mocotó e valia a celebração.
Ao meio-dia em ponto foi dada a largada e pudemos — privilégio dos primeiros — escolher a mesa.
De saída, é óbvio, mocofava: espessa e com um bom tanto de lingüiça e toucinho. Reconfortante, mesmo no calor. Excelente também a tapioca com carne seca, requeijão cremoso e crocante de mandioquinha.
Na seqüência, carne seca na manteiga de garrafa, assada em baixa temperatura. Com bastante alho, pimenta biquinho e chips de mandioca. Tudo junto na boca porque só assim o sabor chega ao que deve ser. Deliciosa.
E o clássico atolado de bode, que todos sabemos que é feito com cabrito guisado, dourado no forno e acompanhado de mandioca, tomatinhos, cebolinha, azeitona e cheiro verde. O sabor do cabrito, no entanto, era tênue demais, abafado pelo tempero. O atolado de frango — concessão feita a alguns integrantes da mesa — trazia a mesma base do prato com cabrito, e a sobrecoxa da ave cozida no vinho tinto.
O melhor do almoço, porém, ainda estava por vir e chegou na forma de dois ótimos escondidinhos: o de carne seca com requeijão e queijo de coalho e, principalmente, o de queijo de cabra com purê de mandioca e mix de legumes preparados no azeite e com ervas.
Para acompanhar, a suculenta Colorado Indica, que mostra que cerveja, de vez em quando, vale a pena.
Evitamos sobremesas e, com elas, a congestão por excesso de comida mas, na saída, compramos uma rapadura para trazer para casa: de viagem convém trazer souvenir — se ele for gostoso, tanto melhor.
Pagamos a conta de 180 reais para sete pessoas e pegamos a estrada de volta. O trânsito ajudou e bastaram vinte minutos, outro recorde, para chegarmos em casa.
A viagem, no caso, foi a outro universo: geográfico, mas sobretudo de gostos, texturas e crocâncias. Viagem para lembrar que Rodrigo Oliveira é chef como poucos: sabido, talentoso, criativo e com muita técnica. Sobretudo, não tem aquela arrogância de cozinheiros que se supõem deuses e, para comprovar, resolvem reinventar os ingredientes.
Não, no Mocotó os ingredientes estão ali: explorados, testados, combinados, saborosos. Respeitados. E isso aproxima.
Avenida Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, SP
Tel. 11 2951 3056
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Mocotó
19/12/2009 às 16:39
Mas pular a sobremesa foi um erro, Alhos… Volte o quanto antes. Aproveite e prove a FRancesinha e o Baião de Dois.
19/12/2009 às 16:42
Joana,
calculo que sim.
Mas acredite: não dava…
Beijos!
19/12/2009 às 17:25
Eu sei como é. Na próxima, pule a janta do dia anterior :o)
19/12/2009 às 19:38
Alhos,
bem inspirada essa sua crônica, parabéns.
E me põe a pensar, mais uma vez, o que o querido Rodrigo tem de especial e diferente.
Certamente conta a sua formação que, antes de ser em gastronomia, navegou pelas águas da engenharia – talvez o suficiente para adquirir o gosto pela lógica cartesiana, que procura os caminhos que levam a resultados desejados, bem diverso do empirismo predominante nas cozinhas espontâneas e “magicistas”.
Acresce que Rodrigo já pegou uma cozinha pronta,coroada de sucesso, e só poderia trilhar o caminho do seu aperfeiçoamento. Foi o que ele fez.
Dá gosto ver como ele utiliza o termo circulador, a câmara improvisada onde faz cocção a baixa temperatura e assim por diante, garantindo, além da qualidade das coisas feitas, a proporção bem avantajada (cerca de 1.000 clientes/dia nos finais de semana). É uma cozinha minúscula para o tamanho do púbico que recebe e, mesmo assim, a qualidade está preservada. Sua técnica de preparo do torresmo e da carne de sol não são encontráveis em parte alguma.
Assim, me parece que, além do talento, ele dá o exato valor à pesquisa e inovação, testando de imediato a aceitação do público que vai até lá, até como se fosse à praia, conhecendo de antemão os sabores que quer reconhecer no prato – e se surpreende positivamente.
O Rodrigo é fenômeno, como Ronaldinho.
19/12/2009 às 20:43
Joana,
anotada a sugestão! rs.
Beijos!
Carlos,
obrigado.
A equação talvez seja essa mesmo: reconhecer o sabor que se espera encontrar – até porque muitas vezes, em outras partes, os sabores ficam irreconhecíveis.
Abraços!
19/12/2009 às 23:04
Alhos,
agradeço a dica que vc nos deu sobre o Mocotó, creio que já faz 2 anos.
Almocei hoje lá com a família e meus pais, foi uma verdadeira orgia etílica-gastronômica. Tudo muito bom, farto e barato.
Em tempo, sair sem comer o pudim de tapioca com um crocante côco queimado ou o sorvete de rapadura com calda de catuaba só não é pecado porque depois de tanta gula…
Abraços
20/12/2009 às 07:38
Nelsão,
boa coincidência. Chegaram lá às 11h30?
Prometo que me esforçarei mais para não cometer o quase-pecado na próxima vez…
Abraços!
21/12/2009 às 13:22
Tudo bem que tem que se chegar cedo, mas as 11:30 hs? hahaha
Vocês todos estão certos: o Rodrigo além de ter fundamentos da engenharia (olha o corporativismo!), é muito boa-praça e não deixou a mosca da alta gastronomia o picar!!
O Mocotó é o melhor custo benefício da cidade se é que a Vila Medeiros pode ser considerada parte de SP!! rsrs
Também considero um crime (não importa a quantidade de boa comida ingerida) não ter tomado um ótimo sorvete de rapadura!!
Abs.
21/12/2009 às 13:48
Edu,
digamos que eu seja um pouco obsessivo com horários…
Já tomei o sorvete, desta vez é que não deu. Mas, na próxima, tomo com certeza.
Abraços!
24/12/2009 às 19:42
Nossa, 180 reais pra sete pessoas, e com comida boa? Eu tenho que ir nesse lugar!
25/12/2009 às 18:22
Semiramis,
tudo bem?
Tem que ir, sim.
Além de muito bom, o Mocotó é muito barato.
Abraços!