Na noite em que fomos jantar no Jun, mas o Jun não foi (vide post anterior), nos vimos perdidos, sem pai, nem mãe, na Rua Lisboa.
O que fazer? Pretendíamos beber um espumante no Jun. Por isso, estávamos sem carro.
Quais as opções? Vagar de táxi, à procura de um restaurante? Voltar para casa e pegar o carro? Ir a um de nossos “restaurantes de segurança” (aqueles onde sempre comemos bem)? Não sabíamos.
Entramos num táxi, meio sem rumo. Rodamos cinqüenta metros e vimos a Genova – “culinária regional italiana”. Pagamos o valor da bandeirada, descemos, entramos na trattoria.
As cenas e diálogos a seguir, verídicos!, resumem e ilustram nossa noite.
Personagens
A: minha mulher
B: eu
C: o garçom
Abrem-se as cortinas.
Cena 1: O cardápio
A (meio indignada): Só tem massa seca? Nenhuma fresca? Como assim? O Pasquale está fazendo escola!
B (preocupado): É…
A (um pouco mais indignada): Como pode ser “culinária regional” se não tem massa fresca?
B (um pouco mais preocupado): É…
A (um pouco mais tranqüila, após um bom gole do Primitivo di Manduria, da Masseria Trajone, com sobrepreço honesto): Você já resolveu o que vai pedir?
B (em dúvida): Não sei, pensei na pasta alla Norma, mas já comi uma no domingo, na Tappo. Não sei… Epa, mas o que um prato siciliano está fazendo no cardápio de um restaurante genovês?
A (duvidosa): E a lingüiça toscana?
B (meio indignado): E por que não tem troffie, que é da Liguria, onde fica Gênova?
A e B (espantados): Gozado…
Cena 2: O serviço
A (ainda inconformada, mas esperançosa): Vocês têm algum prato do dia?
C (categórico): Temos, sim, senhora. Nhoque e Ossobuco…
[A sorri ao ouvir “nhoque”; B saliva ao ouvir “ossobuco”]
C (continuando): ... mas nhoque, hoje, não tem. Nhoque é só na quinta.
[A fica novamente decepcionada]
B (ainda interessado): Acho que vou pedir o ossobuco.
C (esclarecendo): Não tem ossobuco…
B (sem entender nada): …
C (arrematando): Ossobuco é só no sábado.
[A e B se olham um tanto aparvalhados e pedem a C mais tempo para escolher]
Cena 3: Hora de comer
[A finalmente pediu Fusilli com mollica (miolo de pão torrado, esfarelado e refogado com anchova, alho e pimenta), rúcula, azeite, sal grosso, e ervas;
B finalmente pediu “Bavette ao pesto genovese”: azeite, alho, manjericão, pinoli, manteiga, pecorino e parmesão.
Ambos esperam os pratos e conversam. Ficaram relativamente satisfeitos com a escolha. Pelo menos foi o mais próximo de algo genovês que havia no cardápio. Enquanto esperam, bebem o vinho e comem o pão italiano do couvert, com sardela agradável, mas muito líqüida, e manteiga carregada de alho. Chegam os pratos]
A (sentindo-se segura): De vampiros, estamos protegidos. Dá para sentir o cheiro do alho do meu prato?
B (sentindo-se seguro): Dá. Do seu e do meu. E do da mesa vizinha.
[A e B começam a comer com a sensação de que estão envoltos numa nuvem de vapor de alho]
B: Forte para cachorro, o meu. Mas saboroso.
A: O meu também. Mas a mollica é boa.
[Passam-se alguns minutos]
A: É, está bem feito. Massa no ponto. Mas acho que não chego ao fim. Está muito forte.
B: Pois é, o meu também.
[Passam-se mais alguns minutos]
A (exausta): Nossa, vou parar. Por que tanto molho, meu Deus? E tão forte…
B (guloso, já sem massa no prato, mas com uma grande quantidade de molho): Vou comer um pouco desse molho com pão…
[Ambos finalmente param de comer. B, mais guloso (ele ainda não sabe que depois se arrependerá disso), come todo o molho restante, com pão. A e B decidem provar o pudim de pão, como sobremesa. Acham o pudim gostoso, embora excessivamente doce. Dão um sorriso. Até esqueceram que foram jantar no Jun e o Jun não foi. Pagam a conta de 180 reais e acham que o jantar foi razoável, mas o preço é um pouco mais alto do que deveria. Saem, pegam o táxi de volta para casa]
Cena 4: Nel letto
[Caro leitor, se você se empolgou com o título porque imaginou que ele antecipava descrições detalhadas de safadeza, está redondamente enganado. São 4 da manhã no apartamento de A e B. A, que é um anjo e sabe a hora de parar de comer um prato exagerado no tempero, dorme o sono dos anjos. B, que foi guloso, não consegue esquecer do molho, que ele teve a ousadia de comer até o fim. Percebe que o jantar não foi ruim, mas que ele cometeu um erro grave e que o molho não lhe sairá do estômago se não se levantar. Levanta-se, sai do quarto, encosta a porta e, cabisbaixo, vai para o escritório, onde se senta à frente do computador e começa a trabalhar umas quatro horas antes do que pretendia. Antes de abrir o Word, ainda se pergunta, baixinho: ]
B (indagativo): Por que o Jun não foi? Por que a cantina se chama Genova? E por que eu tinha que comer aquele molho até o fim???
Fecham- se as cortinas.
Genova
Rua Lisboa, 346, Pinheiros, SP
tel. 11 3064 3438
Como chegar lá (Guia 4 Cantos): Genova
29/05/2009 às 18:31
Já fui ao Genova algum tempo atrás. João e Maria os donos. Comi bem ,nada de especial mas a conta saiu bem mais barata do que isso, e foi o que me faz achar interessante o lugar. 180,00 é caro pro lugar e para o que servem não?
Eles tem degustações de vinhos harmonizadas periódicamente. ecebo sempre e-mail convidando mas nunca fui,
29/05/2009 às 19:41
Good post.
you were two blocks from Arturito.
Have you ever been there? It’s great, but a tad expensive.
Cheers,
Bruno
29/05/2009 às 21:32
Carlos,
é um lugar simpático. E acima da média das “cantinas”.
O vinho fez subir a conta. De qualquer forma, ultrapassou os 60/pessoa que, para os padrões de lá, é excessivo.
Abraços!
29/05/2009 às 21:34
Bruno,
obrigado pelo comentário.
Fui uma vez ao Arturito e concordo com você.
Paola Carosella é uma ótima chef e a comida de lá é boa.
Me desagradou um pouco o ambiente e o preço. Mas isso não desmerece a casa. Apenas indica uma concepção e um projeto que não são os meus favoritos.
E o preço, também concordo, é alto demais.
Abraços!
01/06/2009 às 16:28
Eu tb sou gulosa e já fiz exatamente a mesma coisa com o molho q sobrou do prato…
Tb dormi mal…. ahauahuahuahah
Vivendo e aprendendo, né? Não fiz mais isso….
01/06/2009 às 18:02
Paola,
já dizia minha avó que gula é pecado.
Mas faz parte. Nem que seja para fazer de novo…
Abraços!
05/07/2009 às 00:24
[…] à Tête fechou! By Gourmet Blasé O título não é original, mas apenas uma versão do post Lost in Lisbon do Alhos. Não foi falta de criatividade, mas sim, a primeira coisa que me veio a cabeça quando me […]
05/07/2009 às 11:43
Gourmet,
obrigado pela informação – e pelo título.
Uma pena. O Tête-à-Tête nunca me empolgou, mas era um restaurante bom e honesto. E o Gabriel Matteuzzi é um chef talentoso e promissor. Tomara se ajuste logo numa nova casa.
Abraços!